Por Julio Alves
Investing.com – Em um relatório recente, a S&P Global Ratings analisou os possíveis impactos da dolarização na Argentina, considerando o cenário atual e as experiências de outros países latino-americanos.
Diante da inflação elevada e de uma economia fragilizada, o governo argentino, liderado pelo presidente Javier Milei, vê na dolarização uma alternativa para estabilizar o país. A proposta envolve a adoção oficial da moeda americana, o que eliminaria a capacidade do país de emitir pesos e, teoricamente, controlaria a inflação, reforçando a confiança do mercado.
A dolarização pode oferecer algumas vantagens para a Argentina, na avaliação da S&P. De acordo com o relatório assinado pela economista Harumi Hasegawa, pela analista de crédito Alina Czerniawski e pela pesquisadora Bhavika Bajaj, com a adoção do dólar, o país eliminaria a volatilidade cambial, estabilizando os preços e criando um ambiente de maior segurança para investimentos.
Além disso, a medida impediria o governo de monetizar sua dívida, isto é, financiar déficits por meio da emissão monetária, uma prática que historicamente alimentou o desequilíbrio fiscal e a inflação no país. Dessa forma, a confiança dos investidores poderia aumentar, atraindo capital e incentivando o crescimento econômico no curto prazo.
Contudo, a S&P destaca as limitações dessa medida no longo prazo, ao apontar que, sem uma moeda própria, a Argentina perderia a flexibilidade de ajustar sua taxa de câmbio em resposta a choques externos, como a queda nos preços das commodities, das quais depende em grande medida.
Outro ponto destacado é que o sucesso da dolarização depende de reformas estruturais no âmbito fiscal que garantam a disciplina orçamentária e a diversificação da economia, a fim de evitar o acúmulo de dívidas que historicamente impactou países dolarizados.
A análise do relatório inclui ainda estudos de caso em países latino-americanos dolarizados, como Equador, El Salvador e Panamá, que demonstram os riscos e benefícios dessa política. Segundo a agência:
“Experiências anteriores na América Latina indicam que a dolarização pode contribuir para estabilizar países em crise econômica, reduzindo e controlando a inflação. Mais tarde, porém, esses países enfrentaram problemas de endividamento, em parte devido à falta de controle fiscal.”
Entre os casos avaliados, a agência cita o Equador, onde a dolarização controlou a inflação, mas o país ainda sofre com uma dívida elevada e dependência de petróleo. “A expansão do balanço do banco central contribuiu para elevados déficits públicos, levando à moratória da dívida em 2008, em meio à crise financeira mundial, ao que se seguiu outra moratória, em 2020, exacerbada pelo colapso dos preços do petróleo durante a pandemia”, declarou a agência.
Em El Salvador, a dolarização foi implementada em janeiro de 2001, no intuito de atrair investimentos, aumentar o comércio e reduzir as taxas de juros. Inicialmente, a medida trouxe benefícios ao país, como a estabilização da inflação e a queda das taxas de juros. No entanto, alguns dos ganhos esperados, especialmente o crescimento econômico sustentado, não se concretizaram, devido a divisões políticas e baixa produtividade, entre outros fatores.
Já no Panamá, onde o dólar é a moeda oficial desde 1904, o uso da divisa americana contribuiu para a estabilidade e atratividade do país para investimentos, mas, segundo a agência, a estrutura fiscal rígida do país limita sua capacidade de responder a choques externos, como ocorreu durante a pandemia de covid-19, que elevou a dívida pública para aproximadamente 60% do PIB.
Para a Argentina, a S&P conclui que a dolarização pode ser eficaz no combate à inflação no curto prazo, mas não é uma solução completa para os problemas econômicos do país. A sustentabilidade da medida depende de reformas estruturais que aumentem a competitividade e promovam a disciplina fiscal, elementos que a dolarização, por si só, não assegura.