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Aliados de Bolsonaro usam desinformação para afastar ex-presidente de crise yanomami

Publicado 02.02.2023, 17:46
Atualizado 02.02.2023, 17:50
© Reuters. Indígena yanomami carrega seu filho de quatro anos que recebe cuidados médicos para desnutrição em Boa Vista 
26/01/2023
Amanda Perobelli/Reuters

Por Débora Ely 

PORTO ALEGRE, 2 Fev (Reuters).Com a crescente atenção à gravidade da crise humanitária yanomami nas últimas semanas, alguns políticos e influenciadores aliados de Jair Bolsonaro (PL) passaram a espalhar alegações falsas para tentar dissociar o ex-presidente da tragédia vivida pelos indígenas. 

A exposição da crise humanitária ganhou força no dia 20, quando o site Sumaúma noticiou, com base em dados obtidos junto ao governo federal, que 570 crianças yanonamis morreram durante o governo Bolsonaro de causas evitáveis. O número representa um aumento de 29% na comparação com os quatro anos anteriores, nos governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). 

Dois dias depois, o blogueiro Oswaldo Eustáquio publicou no site Poder DF, registrado em seu nome, que os indígenas desnutridos seriam refugiados venezuelanos. Ele é investigado nos inquéritos das “fake news” e dos atos antidemocráticos, que correm no Supremo Tribunal Federal (STF). 

Segundo monitoramento feito pela Reuters no Facebook (NASDAQ:META) e no Instagram, os primeiros posts com a alegação falsa já traziam o conteúdo de Eustáquio. O assunto teve um pico de pesquisas no Google (NASDAQ:GOOGL) no Brasil no dia seguinte à publicação do blogueiro, de acordo com o Google Trends. 

Nas plataformas da Meta, o boato havia reunido mais de cem mil interações até o dia 24, quando foi desmentido pela Reuters Fact Check e por outros veículos de imprensa. 

A alegação falsa foi amplificada por políticos bolsonaristas, como os ex-deputados federais Coronel Tadeu (PL-SP) e Alê Silva (Republicanos-MG). O deputado federal General Girão (PL-RN) escreveu no Twitter que “os índios desnutridos são oriundos do êxodo da ditadura venezuelana" e que “encontraram abrigo e ação humanitária no Gov. Bolsonaro”.

Também foram espalhadas nas redes imagens de um médico com um colete da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), ao lado de yanomamis, como suposta prova de que as fotos foram feitas na Venezuela, pois a organização não atuaria em território brasileiro. A Opas confirmou que está fornecendo apoio técnico ao Ministério da Saúde na assistência aos indígenas no Brasil. 

O Ministério da Saúde, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e um médico que prestou atendimento no local também negaram publicamente a tese de que as pessoas desnutridas não são brasileiras. 

ENTIDADES SOB ATAQUE 

A campanha para afastar Bolsonaro da crise humanitária contou também com ataques a entidades que apoiam o povo yanomami. Parte desta narrativa foi estimulada pelo deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), que postou um vídeo alegando que ONGs “usam a fome dos índios para conquistar mais dinheiro”. Somente nos perfis do parlamentar, o conteúdo ultrapassou um milhão de visualizações. Gayer depois apagou o vídeo de seu canal no YouTube. 

O parlamentar acusou o Instituto Socioambiental (ISA), que atua há quase 30 anos na defesa de indígenas, de enriquecer mediante a venda de cogumelos cultivados pelos yanomamis, que seriam sua principal fonte de proteínas. O material também foi compartilhado pela deputada federal Bia Kicis (PL-DF), sendo assistido outras 390 mil vezes.

O ISA publicou uma nota informando que comercializa apenas os produtos excedentes e que “toda a receita obtida é da Hutukara Associação Yanomami, que a reverte para seu povo”. 

Na quinta-feira, Oswaldo Eustáquio publicou texto alegando que a associação yanomami Urihi, que denunciou a situação dos indígenas, foi condenada por desvio de 33 milhões de reais que seriam usados para alimentação e saúde, além de tratar a crise como “uma cortina de fumaça para atribuir ao ex-presidente Jair Messias Bolsonaro um rótulo de genocida, que na verdade pertence aos acusadores". 

O processo mencionado pelo blogueiro se refere a uma organização com nome semelhante que não tem vínculos com a associação que tem exposto a tragédia. 

Em paralelo, o próprio Bolsonaro busca se afastar da crise humanitária. Pelo Twitter, o ex-presidente disse que “nunca um governo dispensou tanta atenção e meios aos indígenas como Jair Bolsonaro”. No Telegram, classificou as acusações de negligência como “mais uma farsa da esquerda”. 

Apoiadores do ex-presidente recuperaram um vídeo de uma visita de Bolsonaro à terra yanomami no Amazonas em 2021, repudiada por lideranças da comunidade, como sinal de que ele “cuidou” dos indígenas. Também divulgaram reportagens antigas sobre problemas enfrentados pela população, incluindo doenças e fome, omitindo o agravamento durante o governo Bolsonaro.

Por e-mail, Eustáquio repetiu à Reuters as alegações publicadas em seu site. Disse que a informação de que os indígenas são venezuelanos “foi confirmada” por um deputado venezuelano e que, no caso da organização processada por desvios, “trata-se de uma sucessão dos mesmos líderes que apenas trocam nomes, mas a corrupção sistêmica que matou os indígenas não pode ser negada”.

© Reuters. Indígena yanomami carrega seu filho de quatro anos que recebe cuidados médicos para desnutrição em Boa Vista 
26/01/2023
Amanda Perobelli/Reuters

Gayer respondeu ao pedido de comentário com uma receita culinária. Os demais citados não responderam aos questionamentos enviados pela reportagem. 

Na segunda-feira, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou a abertura de uma investigação sobre a possível participação de autoridades do governo Bolsonaro na prática de supostos crimes contra comunidades indígenas, incluindo genocídio. 

 

(Reportagem adicional de Bruna Cabral, Débora Oliveira e Victor Pinheiro, em São Paulo. Edição de Bernardo Barbosa e Flávia Marreiro)

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