Por Eduardo Simões e Ricardo Brito
SÃO PAULO/BRASÍLIA (Reuters) -O senador Marcos do Val (Podemos-ES) afirmou nesta quinta-feira que participou em dezembro de uma reunião com o então presidente Jair Bolsonaro na qual Daniel Silveira, deputado federal à época, lhe propôs gravar uma conversa com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes sem o conhecimento do magistrado.
A ideia discutida no encontro, segundo o senador, era tentar que Moraes falasse algo comprometedor, o que geraria uma tentativa de anular a eleição presidencial do ano passado e manter Bolsonaro no poder. De acordo com o parlamentar, Silveira disse que o objetivo do plano era anular a eleição, manter Bolsonaro no cargo e conseguir a prisão de Moraes.
A fala de Do Val vem depois de a revista Veja publicar nesta quinta que o senador recebeu, em uma reunião com Silveira e Bolsonaro, uma proposta para gravar Moraes.
O presidente estava escutando comigo enquanto o Daniel falava", relatou Do Val em entrevista coletiva em seu gabinete no Senado. "Durante todo esse processo, o presidente estava em silêncio, quem falava era o Daniel", insistiu.
Ao contrário do que relatou Do Val na entrevista coletiva, a reportagem da Veja diz que foi Bolsonaro quem relatou os detalhes da operação para gravar Moraes. A revista --que afirma ter tido acesso a mensagens que comprovariam o encontro-- divulgou um áudio em que, segundo a publicação, Do Val relata que ouviu os detalhes da trama diretamente da boca do ex-presidente.
A Veja diz ainda, citando entrevistas com o senador, que Bolsonaro afirmou que havia acertado com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e com a Agência Brasileira Inteligência (Abin) o fornecimento de suporte técnico e equipamentos de espionagem para gravar Moraes.
Em nota oficial, a Abin afirmou que "não está absolutamente envolvida em qualquer iniciativa relacionada à possibilidade de gravação de conversas de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)" e que reafirma seu compromisso com a democracia e o Estado Democrático de Dinheiro.
A Veja afirma que o encontro ocorreu no Palácio da Alvorada, mas na coletiva Do Val disse não se recordar ao certo, mas acreditar que a reunião ocorreu na Granja Torto, outra residência oficial em Brasília. Tanto a revista quanto o senador disseram que Silveira orientou Do Val a não ir à reunião em seu carro oficial, e que ele foi ao encontro em um veículo providenciado por Silveira.
Na coletiva, Do Val afirmou que não foi citado o GSI nem por Silveira nem por Bolsonaro, mas disse que o então deputado federal lhe disse que, caso aceitasse gravar Moraes, haveria um veículo estacionado nos arredores do Supremo para captar a conversa.
O senador negou que Bolsonaro o tenha coagido a gravar Moraes, mas que Silveira insistiu para que ele aceitasse a proposta por receio de ser novamente preso.
Nesta quinta, Moraes determinou a prisão de Silveira pelo descumprimento de medidas cautelares determinadas pelo STF, e a Polícia Federal prendeu o ex-deputado em Petrópolis (RJ). A ordem não teve relação com a reunião relatada pelo senador.
Do Val disse que relatou tanto o encontro com Bolsonaro quanto a proposta para gravar Moraes ao próprio ministro do Supremo, alegando que tomou essa decisão para não prevaricar.
O senador disse estar sendo alvo de ameaças pelo que chamou de investigação que está fazendo para apontar quem permitiu que ocorressem os ataques às sedes dos Três Poderes por vândalos bolsonaristas radicais em 8 de janeiro.
Ele também disse ter recebido informações de que tentativas seriam feitas para descredibilizá-lo por conta dessas investigações. O senador disse ter informações que apontariam para os responsáveis.
Na madrugada desta quinta, Do Val chegou a publicar em sua conta no Instagram que renunciaria ao mandato e abandonaria a política.
Já na coletiva que deu em seu gabinete, o senador disse ter reconsiderado a ideia, afirmando que fez um desabafo diante de críticas que avaliou como injusta por ter cumprimentado o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reeleito para o cargo na véspera, depois de ter defendido a candidatura do adversário Rogério Marinho (PL-RN).
Ele acrescentou que mudou de ideia pois foi sensibilizado por um telefonema de sua filha e por ligações de outros senadores pedindo que ele mantivesse o mandato.
DEPOIMENTOS À PF
Após a reportagem da Veja e da coletiva de Do Val, a Polícia Federal pediu a Moraes que autorizasse a corporação a ouvir o senador no âmbito do inquérito sobre os ataques aos Três Poderes em 8 de janeiro.
Do Val prestou depoimento já nesta quinta, após Moraes dar prazo de cinco dias para que a PF tomasse depoimento dele no âmbito de inquérito que investiga Bolsonaro sobre atos que envolvem a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, por causa do relato de que recebeu proposta para participar de um plano cujo objetivo seria anular a eleição.
O advogado Frederick Wassef, que representa a família Bolsonaro, disse que não iria se manifestar por ora sobre o assunto, assim como o PL, partido do ex-presidente. Bolsonaro está desde o fim do ano passado nos Estados Unidos.
No plenário do Senado, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente, disse que o fato é que seu pai deixou a Presidência em 31 de dezembro.
"Essa reunião, que aconteceu, seria uma tentativa de um parlamentar de demover as pessoas que estavam nessa reunião e fazer algo absolutamente inaceitável, absurdo e ilegal. O que eu peço aqui é que obviamente todos os esclarecimentos sejam feitos. E eu nem digo abertura de inquérito, porque a situação que foi narrada não configura nenhuma espécie de crime", disse Flávio.
"Mas que todos os esclarecimentos sejam feitos para que não fiquem narrativas em cima de narrativas no intuito de superar os fatos. Fato é que dia 31 de dezembro o presidente Bolsonaro deixou a Presidência."
Procurada pela Reuters, a assessoria do ministro Alexandre de Moraes informou que ele não comentará a reportagem da Veja.
O advogado André Rios, que representa Silveira, disse que ainda está se inteirando dos fatos, mas classificou a prisão do ex-parlamentar de "aberração jurídica" devido ao perdão presidencial dado a Silveira por Bolsonaro.
"Ainda estou me inteirando dos fatos que soube há pouco pela imprensa. Cabe salientar que o Daniel Silveira obteve a graça constitucional, o que torna qualquer medida dessa natureza mais um triste capítulo no Estado democrático de Direito, entrando para o rol das arbitrariedades cometidas", afirmou.
A revelação da reunião entre Do Val, Bolsonaro e Silveira ocorre menos de um mês após a Polícia Federal ter encontrado na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro Anderson Torres uma minuta de decreto para instaurar um "estado de defesa" na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de forma a abrir caminho para mudar o resultado da eleição do ano passado.
(Por Eduardo Simões, em São Paulo, e Ricardo Brito, em BrasíliaReportagem adicional de Rodrigo Viga Gaier, no Rio de Janeiro; Fernando Cardoso, em São Paulo; e Maria Carolina Marcello, em BrasíliaEdição de Alexandre Caverni, Flávia Marreiro e Pedro Fonseca)