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Lula pede união da América do Sul apesar das diferenças ideológicas e defende legado da Unasul

Publicado 30.05.2023, 11:07
© Reuters. Presidente Lula durante encontro com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em Brasília
29/05/2023
REUTERS/Ueslei Marcelino

Por Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) - Ao reunir pela primeira vez em nove anos os chefes de Estado da América do Sul, nesta terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu que os mandatários não deixem que a ideologia os dividam e que se leve em conta o legado da União das Nações Sul-americanas (Unasul) ao se tentar reconstruir a relação entre os países da região.

"Na região, deixamos que as ideologias nos dividissem e interrompessem o esforço da integração. Abandonamos canais de diálogo e mecanismos de cooperação e, com isso, todos perdemos", disse o presidente ao abrir a reunião em Brasília.

"Tenho a firme convicção de que precisamos reavivar nosso compromisso com a integração sul-americana. Por essa razão convidei a todos para a reunião de hoje, que será seguida, em agosto, da Cúpula dos países amazônicos. Os elementos que nos unem estão acima de divergências de ordem ideológica."

Criada em 2008, a Unasul está paralisada desde 2018, quando sete dos 12 países da região -- incluindo o Brasil, então sob o comando de Jair Bolsonaro -- deixaram o bloco para formar a ProSul, uma dissidência de direita criada pelos governos à época do chileno Sebastián Piñera e do colombiano Iván Duque. Os dois blocos estão praticamente abandonados, apesar de Brasil e Argentina terem anunciado em janeiro a volta formalmente à Unasul.

A retomada do bloco é uma das alternativas, mas nem todos os presidentes da região -- hoje ainda dividida ideologicamente -- veem com bons olhos a volta da Unasul, muito marcada pela ideia de governos de esquerda, uma vez que foi criada em 2008 durante a gestão anterior de Lula com os líderes de esquerda da época de Venezuela e Argentina, Hugo Chávez e Cristina Kirchner, respectivamente.

O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, que decidiu transmitir nas redes sociais sua fala durante a reunião fechada dos presidentes, lembrou que foi um dos países que se retirou da entidade, ao mesmo tempo que não quis se associar a ProSul, por discordar dos caminhos do bloco.

"Temos que parar essa tendência a criação de organizações, passemos a ações. Chega de instituições. Insisto, usemos os mecanismos que temos, as instituições que participamos", defendeu o uruguaio, ao mesmo tempo que disse celebrar a "liderança das grandes nações" e o fato de o Brasil não estar "omisso a seus deveres". Segundo Lacalle Pou, é necessário "consequência e resultados positivos", além de concretos.

Lula, no entanto, defendeu o legado da entidade e pediu que seus ganhos não sejam esquecidos, mesmo que se façam aperfeiçoamentos.

"A América do Sul tem diante de si, mais uma vez, a oportunidade de trilhar o caminho da união. E não é preciso recomeçar do zero. A Unasul é um patrimônio coletivo. Lembremos que ela está em vigor. Sete países ainda são membros plenos. É importante retomar seu processo de construção", disse.

"Mas, ao fazê-lo, é essencial avaliar criticamente o que não funcionou e levar em conta essas lições. Precisamos de mecanismos de coordenação flexíveis, que confiram agilidade e eficácia na execução de iniciativas."

SEM UNANIMIDADE

Como o próprio Lula destacou ao iniciar seu discurso, não se espera que desta primeira reunião saiam decisões. A intenção do brasileiro, ao chamar os demais líderes para o encontro, era colocar na mesma mesa pela primeira vez em nove anos todos os 12 países da região, inclusive a Venezuela, excluída de praticamente todos os foros nos últimos anos.

Ao sentar na mesma mesa presidentes de centro-direita como Lacalle Pou e Mário Abdo, do Paraguai, com o venezuelano Nicolás Maduro, o encontro em Brasília já foi além do que qualquer outro encontro regional na última década.

"Essa é uma reunião de reflexão, não vamos tomar nenhuma decisão. É para que façamos uma reflexão sobre a situação da América do Sul, quiçá da América Latina", afirmou Lula.

O governo brasileiro, no entanto, apresentou já algumas propostas de integração que pede que sejam discutidas pelos presidentes. Uma delas é que uma futura entidade, seja ou não a Unasul, abandone a regra de decisões por unanimidade que a regeu até agora e paralisava boa parte das ações por meses.

"Nossas decisões só terão legitimidade se tomadas e implementadas democraticamente. Mas a regra do consenso poderia estar restrita a temas substantivos, evitando que impasses nas esferas administrativas paralisem nossas atividades", defendeu Lula.

Na lista de propostas entram a criação de um mecanismo de compensação comercial mais eficiente e de uma unidade de referência para o comércio regional, reduzindo o uso de moedas estrangeiras para pagamentos internos, uma bandeira que Lula tem levantado em outros fóruns e com outros países, como a China.

O Brasil também pede iniciativas de "convergência regulatória", para facilitar e desburocratizar importações e exportações, ampliar mecanismos de cooperação na área de serviços, investimentos e outros, e a retomada dos projetos de infraestrutura do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento.

"Se hoje damos os primeiros passos para retomar o diálogo enquanto região, o contexto que enfrentamos é ainda mais desafiador do que foi no passado", disse Lula. "Enquanto estivermos desunidos, não faremos da América do Sul um continente desenvolvido em todo o seu potencial. A integração deve ser objetivo permanente de todos nós."

Ao chegar à cúpula, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, também defendeu que, apesar das diferenças, a região consiga trabalhar unida.

© Reuters. Presidente Lula durante encontro com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em Brasília
29/05/2023
REUTERS/Ueslei Marcelino

"A América Latina tem que jogar um papel unido, uma voz unificada", disse.

Em seu discurso, o presidente argentino, Alberto Fernández, defendeu também a Unasul e disse ser um "excelente começo" a ideia de Lula de reunir todos os presidentes da região.

"Não é um espaço ideológico, é um espaço de interesses comuns", disse sobre a Unasul. "Que nós devemos aprofundar e desenvolver. Se trata de concertar interesses que temos em uma posição frente ao mundo."

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