BRASÍLIA (Reuters) - A Câmara dos Deputados desferiu na terça-feira a primeira derrota importante à pauta pró-meio ambiente e pró-indígenas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a aprovação de projeto do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Impulsionadas pela bancada ligada ao agronegócio e por alas do governo, a aprovação do marco temporal explicita não apenas a nova correlação de forças com um Congresso conservador e ávido por se mostrar protagonista, mas também exibe a musculatura política do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que patrocinou a matéria.
O Palácio do Planalto deve sofrer mais uma derrota quando for votada a medida provisória sobre as mudanças na estrutura do governo, cujo parecer, que alterou o texto original enviado pelo Executivo, desidrata o Ministério do Meio Ambiente e retira da pasta dos Povos Indígenas a competência para demarcar terras indígenas.
A votação da proposta foi adiada e, caso a MP não seja votada até a sexta-feira na Câmara e no Senado, perderá validade e demais mudanças feitas por Lula -- como o desmembramento do Ministério da Economia, por exemplo -- deixarão de valer.
O texto principal do marco temporal foi aprovado na noite de terça por 283 votos a favor e 155 contra. Deputados garantiram que não fossem aprovadas emendas e enviaram o projeto ao Senado. A aprovação ocorreu sem o aval do governo.
"Eu queria me dirigir a este plenário para reconhecer a divergência que existe na base do governo", reconheceu o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), durante a discussão da matéria no plenário da Câmara.
"Porém, todo o esforço foi feito nas últimas 48 horas. Eu me empenhei particularmente para buscarmos o consenso e esta matéria não ir a voto. Eu entendo que nós não poderíamos votar uma matéria que, para mim, é cláusula pétrea da Constituição, através de um projeto de lei. Se fosse uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), tudo bem, nós poderíamos discutir. Mas um projeto de lei não pode alterar aquilo que está no artigo 231 da nossa Constituição", argumentou o líder, pouco antes da aprovação do projeto.
O texto prevê que só poderão ser demarcadas como terras indígenas as áreas ocupadas à época da promulgação da Constituição em 1988. Grupos indígenas protestaram na terça-feira contra a medida em diversas cidades do país.
Após a votação, a ministra dos povos Indígenas, Sonia Guajajara, disse que os deputados que votaram "a favor deste projeto entrarão para a história como os responsáveis pela aprovação de um projeto de lei que ataca explicitamente contra a vida dos povos indígenas do Brasil".
ESTRUTURA
No caso da MP da reestruturação dos ministérios, editada por Lula para dar a sua cara à estrutura administrativa, o texto a ser votado será distinto do originalmente encaminhado pelo Executivo.
O texto inicial enviado ao Congresso criava ministérios para áreas consideradas estratégicas pelo governo, como a dos Povos Indígenas, entre outros. Mas foi alterado no decorrer de sua tramitação, esvaziando prerrogativas e competências do Ministério do Meio Ambiente, por exemplo.
Antes do adiamento da votação, em sinal de afastamento do governo, Lira disse que não poderia garantir resultado favorável na votação da MP, lembrou que havia muitas emendas que poderiam alterar ainda mais a proposta.
Nos bastidores, informou uma fonte do Planalto, a votação é entendida como recado direto de Lira, incomodado com manifestações públicas via redes sociais do senador e desafeto político em Alagoas, Renan Calheiros (MDB). Aliado de Lula, o senador é pai do ministro da Infraestrutura, Renan Filho.
Calheiros tem publicado mensagens em que se refere a Lira como "caloteiro", o acusa de corrupção e de ter agredido a ex-esposa.
Indignado, Lira estaria condicionando seu apoio à MP -- já desvirtuada em relação à ideia original do governo -- à demissão do ministro da Infraestrutura, revelou a fonte.
À Reuters, o presidente da Câmara negou que tenha solicitado a saída do ministro: "Não pedi a cabeça de ninguém, mas quero respeito", disse.
(Reportagem de Maria Carolina Marcello, Lisandra Paraguassu e Ricardo Brito)