Por Gabriel Stargardter
UBERABA (Reuters) - Pouco antes do amanhecer, em junho de 2019, uma quadrilha de assaltantes fortemente armada usou um caminhão para invadir a principal agência do Banco do Brasil (BVMF:BBAS3) da cidade de Uberaba, em Minas Gerais. Eles deixaram o edifício várias horas depois levando cerca de 5 milhões de dólares em espécie.
Os assaltantes faziam parte de uma nova classe de criminosos conhecida como o "novo cangaço", que aterroriza o interior brasileiro. Usando explosivos e rifles de assalto na transformação das cidades rurais em zonas de guerra, essas quadrilhas especializadas já roubaram surpreendentes 120 milhões de dólares desde seu surgimento em 2015, segundo o think-tank Alpha Bravo Brasil.
Em uma reportagem relacionada, a Reuters rastreou como as normas para flexibilização do acesso a armas impostas sob o governo do presidente Jair Bolsonaro facilitam a obtenção de rifles de assalto, como os usados em Uberaba, por criminosos.
Os promotores atribuem algumas das investidas do "novo cangaço" ao Primeiro Comando da Capital (PCC), a facção criminosa mais poderosa do Brasil. O PCC tem forte presença em Uberaba, uma rica cidade pecuarista do Estado de Minas Gerais. O ataque de 2019, que envolveu uma quadrilha com mais de duas dúzias de membros, foi idealizado por um chefe do PCC condenado a quase 150 anos de prisão pelo roubo.
A partir de documentos judiciais, relatos de testemunhas, imagens de segurança e entrevistas, a Reuters reconstruiu o assalto pela primeira vez em detalhes.
CENÁRIO DE GUERRA
Cerca de uma semana antes do assalto, os ladrões alugaram um apartamento perto do banco para vigiar o local. Em 27 de junho, por volta das 3h30, eles invadiram. Após arrombar a porta da garagem da agência bancária com um caminhão Volkswagen (ETR:VOWG), parte do grupo se dirigiu ao cofre. Outra parte vandalizou a rua com tiros de metralhadora.
A algumas centenas de metros de distância, em uma farmácia 24 horas Drogasil, o farmacêutico Thales Rezende esquentava sua refeição no microondas quando ouviu o que pareciam ser fogos de artifício. Rezende e dois colegas saíram para investigar. Todos os três se recusaram a falar com a reportagem.
Do lado de fora, eles viram dois carros com homens armados apoiados sobre as janelas, atirando em sua direção. Aterrorizados, eles se esconderam no depósito. Um assaltante encapuzado entrou e disse para que entregassem seus telefones.
Em seguida, eles foram levados para a rua, onde cerca de 20 membros da quadrilha atiravam contra transformadores e fixavam explosivos --uma tática típica do "novo cangaço" para semear o terror nas pequenas cidades brasileiras.
Os agressores disseram que não queriam os machucar. "Só queremos matar a polícia", disse um deles, segundo o farmacêutico Clauber Amaral.
Os assaltantes disseram aos reféns que corressem para o banco --sem brincadeiras ou eles levariam tiro-- onde se encolheram enquanto seus sequestradores trabalhavam para explodir o cofre. Por volta das 6h da manhã, os criminosos saíram do cofre enfumaçado carregando bolsas de dinheiro e colocaram os três homens na traseira dos caminhões.
Enquanto se afastavam, atirando contra policiais e colocando bloqueadores de fuga na estrada, os ladrões disseram aos reféns para permanecer na parte de trás das caminhonetes e chacoalhar suas camisas acima de suas cabeças para evitar tiros da polícia, antes de liberá-los nos arredores da cidade.
Em meio ao caos, uma pessoa foi morta --uma mulher atingida na cabeça por uma bala perdida enquanto voltava para casa com os amigos no banco de trás de um táxi. Dois pedestres foram atingidos na perna e sobreviveram. Os prédios da Câmara Municipal de Uberaba e do Corpo de Bombeiros foram atingidos por disparos.
NEGOCIAÇÃO "BEM TENSA"
A cerca de 50 km do centro de Uberaba, na fazenda São Basílio, Sirlene Rosa acordou por volta das 3h50 com seu telefone tocando com a notícia do assalto. Ela acordou o marido, Claudeci Rosa, e disse ao filho Vinicius, de 15 anos, que ele não iria à escola em Uberaba naquele dia.
Claudeci não estava tão preocupado. Uberaba era longe, e a fazenda que administrava ficava em uma estrada de terra, a uns 5 km da rodovia. Ele voltou a dormir. Mas, à medida que o amanhecer se aproximava, as mensagens no telefone de Sirlene sugeriam que a quadrilha estava se aproximando.
Por volta das 6h20, seus cães começaram a latir. Claudeci ouviu um veículo estacionar.
"Abram!", alguém gritou. "Nós somos da Polícia Federal e se não abrirem, iremos arrombar."
Do lado de fora, dez dos ladrões portavam fuzis de assalto em cada mão. Com a polícia os perseguindo, os criminosos procuravam por novos reféns --sua passagem para a liberdade. Eles colocaram a família Rosa na traseira de um caminhão roubado, junto com o sobrinho de Claudeci e sua família, além de dois homens de uma fazenda vizinha.
Eles aceleraram, mas não foram muito longe. Por volta das 7h, a polícia os interceptou. Na sequência, houve um breve tiroteio.
Dentro do caminhão, a situação era preocupante. Enquanto alguns assaltantes pediam perdão aos reféns, um outro pediu à quadrilha que aceitasse a morte e matasse os policiais.
Lupercio Peres, ex-chefe da Polícia Militar de Uberaba, relembrou a negociação "bem tensa".
"Você tem um cenário onde há reféns e marginais fortemente armados com fuzis, colete", disse ele. "Realmente virou um cenário de guerra."
Eventualmente, por volta das 11h, os bandidos se renderam e libertaram os sete reféns, que incluía uma criança de dois anos. Vinicius Rosa e um outro se recusaram a falar com a reportagem. A Reuters não conseguiu contactar os demais.
As autoridades acabaram recuperando pouco mais de 100 mil dos cerca de 25 milhões de reais roubados naquela noite. A maioria dos membros da quadrilha nunca foi pega. Em 2020, os dez detidos receberam penas que, juntas, totalizam mais de 1.500 anos de prisão.