Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - A diferença entre o cenário projetado pelas pesquisas eleitorais e o resultado oficial na noite deste domingo pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a disputa presidencial coloca em evidência, de um lado, o desafio enfrentado pelos institutos para definir as amostragens do eleitorado, e, de outro, votos não declarados aos pesquisadores, em um possível movimento de boicote, avaliaram especialistas.
O TSE já havia apurado 97% das seções quando foi descartada a possibilidade de um vencedor logo no primeiro turno, mas já estava clara uma discrepância entre as urnas e os levantamentos em geral.
Institutos apontavam a liderança do ex-presidente Luiz Inácio da Silva (PT) com uma vantagem de até 14 pontos percentuais sobre o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). E indicavam chances de Lula obter mais da metade dos votos válidos --quando são excluídos os brancos, nulos e os indecisos-- e ser eleito já no primeiro turno.
Mas com 99,90% das seções apuradas, os resultados registravam uma diferença de 5,18 pontos percentuais, com Lula somando 48,40% dos votos válidos e Bolsonaro registrando 43,22%
Creomar de Souza, CEO da Dharma Political Risk, avalia que dois fatores influenciaram para evidenciar as discrepâncias entre os votos de fato e os números projetados pelas pesquisas: "a questão da amostragem e o voto envergonhado".
Sem o Censo, que deveria ter sido realizado em 2020, institutos tiveram de adotar dados alternativos para estimar a população brasileira e desenhar como coletariam as entrevistas, como dados de cadastros de eleitores do TSE ou da Pnad, mas ainda assim considerados desatualizados.
"A distorção vem da falta do Censo para calibrar a amostragem", disse Creomar, acrescentando a isso movimento coordenado de um grupo de pessoas, sobretudo bolsonaristas, de não manifestar seu voto.
"Um grupo de eleitores silenciosamente fez de Bolsonaro o grande vencedor deste domingo", avaliou.
A percepção é compartilhada pelo sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, que identificou a tendência de votos não captados pelas pesquisas. Ele também aponta uma migração de eleitores para Bolsonaro, possivelmente para impedir que Lula pudesse liquidar a disputa no primeiro turno.
"Ao que parece, quem teve voto útil foi Bolsonaro. E talvez voto oculto também. Eleitores não respondendo às pesquisas ou dizendo que estavam indecisos", avaliou Lavareda, que está à frente da MCI-Estratégia e preside o Conselho Científico do Ipespe, que também divulga pesquisas.
Ele chama a atenção para o fato de o Ipespe ter captado percentual próximo ao verificado nas urnas para Lula, mas não o de votos destinados ao presidente atual.
"Lula tem 48%, bem perto do que apuramos --49%, na sexta-feira (Ipespe). Bolsonaro tem bem mais que no Ipespe e nas demais pesquisas", disse.
Divulgada no sábado, a pesquisa, que foi a campo na sexta-feira, apontou que Lula teria 49% dos votos válidos, enquanto Bolsonaro registrava 35% dos votos válidos.
Rafael Cortez, analista da Tendências Consultoria, vai numa linha similar.
"As pesquisas não conseguiram captar o voto de direita", avaliou.
As pesquisas, assim como as urnas e o sistema eleitoral, já vinham sendo questionadas por Bolsonaro e seus apoiadores. Mas as discrepâncias deste domingo já eram destacadas pelo presidente e apoiadores antes mesmo da apuração ser encerrada.
Em tuíte na noite deste domingo, um dos coordenadores da campanha de Bolsonaro e ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, jogou mais dúvidas em torno dos levantamentos.
"Depois do escândalo que cometeram, todos os eleitores do presidente Bolsonaro só tem uma resposta às empresas de pesquisa: não responder a nenhuma delas até o fim da eleição!!!", publicou o ministro.
"Assim, ficará desde o início provado que qualquer resultado é fraudulento! Elas erraram absurdamente, criminosamente ou não? Somente uma investigação profunda poderá revelar", acrescentou.
Horas depois, o próprio presidente Jair Bolsonaro disse a jornalistas que "as pesquisas estão desmoralizadas".
(Reportagem adicional de Eduardo Simões)