Por Ricardo Brito e Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - Em uma vitória do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o governo Lula, por meio de lideranças e aliados do Congresso, sinalizou nesta quinta-feira apoio à proposta de alterar o rito de tramitação de medidas provisórias, numa mudança que, se vingar, manteria Lira com influência na discussão de importantes propostas do governo.
A indicação do acordo foi confirmada em entrevista pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), após participar de reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e outras lideranças. Segundo Wagner, a alteração poderia vir por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Mas o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu, disse à Reuters que o caminho para a mudança poderia ser uma resolução --uma via defendida pelo próprio Lira, e que necessita de um apoio menor do que o de uma PEC, que exige o voto de 308 deputados e de 49 senadores em dois turnos de votação.
Seja qual for a solução, ela visa resolver uma indefinição que vem travando a pauta do governo no Congresso, admite o próprio líder do PT. Mais de uma dezena de medidas provisórias editadas por Lula estão paralisadas e as primeiras MPs, se não forem votadas até maio, começam a perder a validade.
O acerto representa um caminho intermediário entre o previsto pela Constituição e o que vigorou na pandemia do coronavírus e representa uma vitória para Lira porque faz com que os presidentes da Câmara e do Senado dividam responsabilidades na tramitação das medidas provisórias.
Durante a emergência sanitária, o Congresso mudou o rito de tramitação das MPs para abreviar a forma de discussão e votação desse tipo de matéria. Foram temporariamente extintas as comissões mistas que tratavam das MPs --formadas por 12 deputados e 12 senadores-- e as medidas eram enviadas diretamente para o plenário da Câmara, cabendo a Lira indicar o relator e controlar o ritmo da pauta.
Contudo, desde o início do governo Lula, Pacheco e senadores defendiam a voltar ao rito constitucional, ou seja, com a formação da comissão mista que, só depois de analisar a matéria, enviava o texto para a Câmara. O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) chegou a recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para restabelecer o caminho, mas a corte ainda decidiu.
Enquanto isso, Lira passou a defender uma nova tramitação das MPs, intermediária, ora começando pela Câmara, ora pelo Senado, sem a comissão mista, justamente o caminho defendido agora também pelos líderes petistas.
DOIS CAMINHOS
Segundo Wagner, a ideia em construção é que as medidas enviadas pelo governo comecem a tramitar, de forma alternada, pela Câmara e pelo Senado. Além disso, caberia ao presidente da respectiva Casa Legislativa indicar o relator da matéria e mandar para a comissão temática do respectivo assunto. Por exemplo, uma matéria jurídica tramitaria na Comissão de Constituição e Justiça.
O líder governista disse ainda que a definição sobre como se dará a escolha das Casas que vão começar o trâmite será determinada pela PEC. Os detalhes, disse, estão sendo discutidos. Ele se mostrou confiante com a possibilidade de um acordo em breve sobre a proposta.
"Essa é a discussão que está em curso, está muito perto de um acordo, depende de uma emenda constitucional", disse Wagner. "Se tem acordo, as coisas acontecem aqui muito rapidamente", reforçou ele, sobre o eventual avanço da PEC.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que se está no momento em construção com a Câmara de uma proposta de texto que seja mais adequada. Ele disse que, por óbvio, o interesse do governo é na "resolução" porque há 15 medidas provisórias em tramitação no Congresso.
Randolfe negou que haja um temor que as medidas vão perder a validade. "A situação está resolvida nesta semana, estamos muito próximos de uma solução" comemorou ele.
Para Zeca Dirceu, o modelo antigo em que a comissão mista é composta por 12 senadores é inviável, uma avaliação também exposta por Lira.
"Tínhamos que sair pelos corredores pegando assinatura de senadores. É uma questão de matemática: se tiver 15 comissões mistas de MPs ao mesmo tempo, são 180 vagas de senadores", disse.
O líder petista na Câmara defendeu um diálogo urgente entre a Câmara e Senado, evitando a judicialização do tema. Segundo ele, pode não ser necessária a aprovação de uma PEC mudando o rito.
Zeca Dirceu destacou que poderia ser fixado um prazo para entrada em vigor da nova regra, sugerindo como marco temporal o dia 10 de abril. MPs editadas após essa data tramitariam sob o novo modelo.
Já segundo os senadores, pela articulação feita, as MPs já em tramitação ficariam paralisadas até que a PEC com a nova regra seja aprovada pelo Congresso. Aí elas já passariam a tramitar com o novo rito.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), adversário regional de Lira, criticou o presidente da Câmara por, segundo ele, paralisar a tramitação das atuais em MPs até que eventualmente uma nova regra seja adotada:"Acho essa posição insana, arbitrária e inconstitucional".