Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - A estrutura paralela montada na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro sob o guarda-chuva do então diretor-geral do órgão, o atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), monitorou ao menos três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e até uma promotora de Justiça que investigava o assassinato da vereadora Marielle Franco, apontou despacho do ministro do STF Alexandre de Moraes vista pela Reuters.
Moraes autorizou nesta quinta-feira uma operação da Polícia Federal que teve Ramagem como principal alvo das buscas e apreensões. A PF chegou a pedir a suspensão de Ramagem -- que é delegado de carreira da corporação -- do cargo de deputado federal, mas o ministro do STF rejeitou o pedido.
"A Polícia Federal aponta que Alexandre Ramagem utilizou de sua posição de diretor-geral da Abin para incentivar e encobrir a utilização indevida da ferramenta First Mile, bem como -- aponta a natureza gravíssima -- da sua posição de parlamentar para requisitar informações sobre as investigações subsequentes", afirmou o magistrado.
"Em que pese a gravidade das condutas do investigado, Alexandre Ramagem, bem analisadas pela Polícia Federal, nesse momento da investigação não se vislumbra a atual necessidade e adequação de afastamento de suas funções. Essa hipótese poderá ser reanalisada se o investigado voltar a utilizar suas funções para interferir na produção probatória ou no curso das investigações", decidiu.
Intimado, Ramagem não depôs à PF nesta quinta. Procurada, a assessoria de imprensa dele disse que o deputado estava "se inteirando da operação ainda" e iria se posicionar posteriormente.
Em entrevista à GloboNews no final da tarde, o deputado negou ter cometido qualquer irregularidade.
"Agora que tive acesso ao parecer do MP e a decisão judicial o que nós vemos é uma salada de narrativas, inclusive antigas, já superadas, colocadas para imputar negativamente, criminalmente, o nome da gente sem qualquer conjunto probatório", disse ele.
INSTRUMENTALIZAÇÃO
As investigações apontaram que a Abin foi instrumentalizada para se tentar fazer uma indevida associação de deputados federais e dos ministros do STF Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Gilmar Mendes com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC, de acordo com o despacho.
"O arquivo ‘Prévia Nini.docx’ mostra a distorção, para fins políticos, da providência, indicando a pretensão última de relacionar... os ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital – PCC, alimentando a difusão de fake news contra os magistrados da Suprema Corte”, disse Moraes, citando trecho de representação da Procuradoria-Geral da República.
O ex-deputado Rodrigo Maia, que presidiu a Câmara nos dois primeiros anos do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro e com quem o então presidente teve grandes embates, também foi alvo da estrutura paralela montada na Abin, segundo as investigações mencionadas no despacho de Moraes. Essa estrutura chegou a monitorar o dono de um carro que participou de um jantar onde estava Maia.
No caso do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, que foi morta a tiros em uma emboscada em março de 2018, as investigações identificaram um resumo do currículo da promotora de Justiça do Rio de Janeiro que coordenava a força-tarefa sobre o homicídio, de acordo com a decisão do ministro do Supremo.
"O documento tem a mesma ausência de identidade visual nos moldes dos relatórios apócrifos da estrutura paralela”, destacou a decisão de Moraes.
FILHOS DE BOLSONARO
Na decisão, Moraes destacou que a Abin também foi utilizada para "fins ilícitos" para a preparação de relatórios para a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente que foi alvo de investigações da PF. Também foram usados os serviços da agência para interferir em investigações e fazer prova a favor de Jair Renan Bolsonaro, outro filho do presidente.
"A utilização da Abin para fins ilícitos é, novamente, apontada pela Polícia Federal e confirmada na investigação quando demonstra a preparação de relatórios para defesa do senador Flávio Bolsonaro, sob responsabilidade de Marcelo Bormevet, que ocupava o posto de chefe do Centro de Inteligência Nacional – CIN, como bem destacado pela Procuradoria-Geral da República", citou Moraes, em um dos trechos.
Em nota, Flávio Bolsonaro disse ser mentira que a Abin tenha atuado para favorecê-lo. "Isso é um completo absurdo e mais uma tentativa de criar falsas narrativas para atacar o sobrenome Bolsonaro", disse.
Na entrevista à GloboNews, Ramagem rejeitou as acusações e disse que trabalhou para organizar a agência. Ele chegou a chamar o órgão que comandou de "bagunça" pelo uso da ferramenta de geolocalização -- embora tenha ressaltado que em nenhuma operação do planejamento ela foi utilizada. Ainda assim, citou que o programa foi comprado em 2018, antes da sua gestão, mas seu uso era considerado legal por órgãos de controle.
O deputado defendeu ainda a legalidade da Abin, que está subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional, de verificar situações que envolvem os filhos de Bolsonaro e que o caso envolvendo a promotora do caso Marielle se trata de um trabalho de coleta de dados natural de um órgão de inteligência, ainda que tenha considerado não haver durante sua época uma "organização de procedimentos" na agência.
Jair Renan não se manifestou num primeiro momento.
Um representante de Bolsonaro não respondeu de imediato a um pedido de comentário sobre a operação.