Por Michel Rose e Polina Ivanova e Emilio Parodi
PARIS (Reuters) - Os desenvolvedores da vacina russa contra coronavírus Sputnik V deixaram de fornecer dados que agências reguladoras consideram pedidos padronizados do processo de aprovação diversas vezes, de acordo com cinco pessoas a par dos esforços europeus para avaliar a vacina, dando novas mostras da dificuldade do país para obter a aprovação estrangeira ao seu produto.
No mês passado, a Reuters noticiou que a avaliação da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) a respeito da segurança e da eficácia do imunizante foi adiada porque um prazo de 10 de junho para o envio de dados dos testes clínicos da vacina não foi cumprido, segundo uma das fontes ouvidas, que é próxima da agência, e outra pessoa a par da questão.
Os obstáculos vão além do prazo descumprido, disse a fonte próxima da agência. Até o início de junho, a EMA mal havia recebido dados de produção, e os dados clínicos que recebeu estavam incompletos, disse a fonte.
Anteriormente se esperava que a EMA, que iniciou sua análise formal da vacina russa em março, decidisse em maio ou junho se aprovaria o uso do remédio na União Europeia.
A fonte próxima da EMA disse que, entre as informações clínicas ausentes dignas de nota durante a análise da agência, estão formulários de relatos de casos que registram quaisquer efeitos adversos sentidos por participantes de testes depois de receberem a vacina. É uma prática comum dos desenvolvedores providenciar tais formulários, acrescentou a fonte. Tampouco ficou claro como os cientistas trabalhando na vacina monitoraram os resultados de pessoas que receberam um placebo, disse a fonte.
A EMA classifica tais lacunas de dados em uma escala que vai de "críticas" --as mais graves-- a "maior" e "menor". A fonte disse que nada atingiu o limiar crítico, "mas houve vários 'maiores'", indicando problemas que podem ser remediados, mas exigem muito trabalho. A fonte acrescentou que só se espera que a análise seja concluída após o verão do hemisfério norte.
Várias pessoas que interagem com o Instituto Gamaleya da Rússia, que desenvolveu a Sputnik V e supervisionou os testes clínicos, atribuíram a incapacidade reiterada de fornecer alguma informação à falta de experiência no trato com agências reguladoras estrangeiras.
O Gamaleya é subordinado ao Ministério da Saúde da Rússia. Nem o Gamaleya nem o ministério responderam a perguntas para esta reportagem. O Kremlin não quis comentar.
A Sputnik V é comercializada no exterior pelo fundo soberano da Rússia, o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF).
O RDIF disse que a reportagem da Reuters continha "declarações falsas e imprecisas" baseadas em fontes anônimas que estão tentando prejudicar a Sputnik V como parte de uma campanha de desinformação. O RDIF sugeriu que a vacina poderia estar sob ataque do “lobby farmacêutico ocidental”, sem apresentar evidências de tal campanha.
O RDIF acrescentou que a vacina está registrada em mais de 60 países e que estudos de países como Argentina, México e Hungria, que já estão usando a vacina, mostram que ela é segura e eficaz. O fundo disse que não houve "eventos adversos graves relatados".
O RDIF disse ainda que está trabalhando em estreita colaboração com a EMA, cujos inspetores visitaram as instalações de produção da Sputnik V. “Das inspeções já concluídas, não recebemos comentários críticos importantes e nenhuma das questões levantadas duvidava da segurança e eficácia da vacina”, disse o RDIF.
A situação na Europa é um dos vários tropeços para os desenvolvedores da Sputnik V ao lidar com órgãos reguladores de medicamentos no exterior que revisam a vacina, que identificaram falta de dados, documentação insuficiente de metodologia e não conformidade com o que eles veem como protocolo padrão.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) inicialmente rejeitou pedidos de importações da Sputnik V porque equipes técnicas ressaltaram "riscos inerentes", citando a falta de dados que garantissem sua segurança, qualidade e eficácia.
No mês passado, a Anvisa deu uma aprovação condicional a importações da Sputnik V. As condições impostas "visam superar as lacunas de informação no processo e garantir condições mínimas de segurança e qualidade da vacina", disse a Anvisa à Reuters, acrescentando que a Sputnik V não está sendo administrada no Brasil.
(Por Michel Rose em Paris, Polina Ivanova em Moscou e Emilio Parodi em Roma; reportagem adicional de Matthias Blamont em Paris, Lisandra Paraguassu em Brasília, Stephen Eisenhammer em São Paulo e Marton Dunai em Budapeste)