Por Lisandra Paraguassu e Stephen Eisenhammer
SÃO PAULO (Reuters) - Depois de seis anos de brigas jurídicas, em abril deste ano o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu que suas condenações fossem derrubadas na Justiça, recuperou seus direitos políticos e agora avisa: está de volta ao jogo.
"Eu estou muito feliz agora, muito feliz, porque eu comparo isso a uma ressurreição: estou de volta ao jogo, quero jogar, quero ganhar porque tenho certeza que eu posso melhorar a vida desse povo", disse o ex-presidente.
Mesmo tentando dizer que sua candidatura à Presidência não está definida, Lula fala com o entusiasmo de quem já faz planos não apenas para a campanha eleitoral, mas para a volta ao Palácio do Planalto.
Em quase duas horas de conversa com a Reuters, o ex-presidente, de terno cinza e gravata vermelha, chegou a quase levantar da cadeira quando falou de seus planos para o país, ao mesmo tempo que se emocionou mais de uma vez ao tratar da fome que voltou a atingir o Brasil.
Lula não poupou críticas ao presidente Jair Bolsonaro, a quem comparou a um "tumor", que se extirpado fará com que o país volte ao normal.
Ao ser perguntado se tem receio de que Bolsonaro possa causar problemas na eleição, disse que não. "Ele terá que obedecer (a lei) como eu tenho que obedecer. Ele vai perder e vai quietinho para casa, vai lamber suas feridas como eu fui muitas vezes que eu perdi as eleições e deixar a gente governar esse país com tranquilidade", afirma.
Em meio a negociações com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin para ser candidato a vice-presidente em sua chapa, Lula admite indiretamente que as conversas existem, elogia o ex-concorrente à Presidência que acaba de deixar o PSDB, mas diz estar sendo "cauteloso".
"Eu levo muito a sério essa questão do Alckmin, só não posso dizer se ele vai ser ou não, porque não é uma questão só minha, não é uma questão só dele", diz. "Quem vai discutir o vice não sou eu, é o PT. E o Alckmin sabe disso, e ele também é muito cauteloso. Ele está saindo de um partido agora, ele quer conversar com outros partidos políticos para tomar uma decisão. Eu não sei qual é o partido que ele vai."
Sem se negar a responder nada, Lula falou de alianças, economia, da recente polêmica causada por seus comentários sobre a reeleição do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, e até de seu futuro casamento, que deve ocorrer no ano que vem, mas sem data definida.
A seguir, os principais pontos da entrevista concedida à Reuters na sexta-feira, no estúdio montado por sua equipe na sede do PT, no centro de São Paulo.
Volta à política
"Eu poderia te dizer que esse é o ano da ressurreição do PT, do Lula, e da verdade nesse país. Esse país esteve durante muito tempo subordinado a uma quantidade de mentiras sem precedentes na nossa história... Então eu digo que é uma ressurreição porque, para as pessoas que imaginavam que o PT estava morto, que a gente não ia mais fazer nada nesse país, a gente volta com a consciência tranquila, a gente volta com um carinho muito especial de uma parcela muito grande da população brasileira, com uma palavra chamada esperança tomando conta da cabeça das pessoas."
Candidatura
"Nós estamos em uma disputa. Eu ainda não decidi ser candidato porque tem alguns arranjos a serem feitos, não apenas da perspectiva de ganhar as eleições, mas de governar depois. Porque governar é muito mais complicado. Mas quando eu peguei em 2003 também estava difícil... 'Ah o Lula não vai conseguir governar', e nós governamos e governamos bem. Então é isso que eu tenho para mostrar para o povo brasileiro."
"Eu sei o que a sociedade espera de mim. Eu sei qual é a esperança que tem na cabeça das pessoas, e eu sei que não posso mentir para eles, eu não tenho direito de mentir. Qualquer pessoa pode ficar vendendo que vai fazer isso ou aquilo. Eu não posso, eu tenho um legado. Esse legado é a base de qualquer governança minha, eu não posso fazer menos. Eu sei que eu tenho mais responsabilidade, então não quero brigar não. Eu quero juntar força para poder construir."
Governo Bolsonaro
"Não tem polarização entre Lula e Bolsonaro. Tem polarização entre Bolsonaro e os outros. Eu tenho quase metade dos votos do povo brasileiro, ele tem menos da metade do que eu tenho, como eu estou polarizando com ele? Não tem polarização entre mim e ele, polarização é entre ele, o Ciro (Gomes, PDT), o (Sergio) Moro (Podemos), as outras pessoas. Mas não fale em polarização comigo não que não existe."
"Esse país não precisa ser destruído como está sendo, esse país não pode ter um presidente que conta cinco ou seis mentiras por dia através do seu blog, das suas lives. Não pode ter um ministro da Economia que não conhece a palavra desenvolvimento, geração de emprego, aumento de salário, crescimento econômico. É um presidente avesso, que levanta, almoça, janta e dorme pensando no que ele vai vender no dia seguinte."
"Eu, medo, não tenho (de Bolsonaro não admitir uma derrota). Eu tenho preocupação porque ele é muito ignorante. Um cara que não chora, que não soltou uma lágrima com 620.000 mortes, um cara que não tem sentimento, um cara que não gosta de pobre, de índio, de negro, de LGBT, de sindicato... esse cara efetivamente pode criar confusão, mas para isso tem lei."
"Então essa loucura, esses medos, essas coisas todas que tentam falar, nada disso vai acontecer. Nós vamos ter uma eleição, ele vai se submeter ao voto eletrônico, o povo vai derrotá-lo e vai tomar posse em janeiro e vai governar esse país. Se foi eu que ganhei, eu vou governar. Se for outro democrata que ganhou, eu terei muito prazer em convencer o meu partido a apoiar a volta da democracia nesse país."
Militares
"Os militares têm sua função na Constituição. Está regulamentado na Constituição qual é o papel das Forças Armadas e não é emprego público. Não podemos nos dar o luxo de ter um general recebendo o salário dele mais um salário de funcionário público, de presidente da Petrobras (SA:PETR4), quando temos 15 milhões de desempregados. Temos que dar emprego para quem está desempregado não para quem está aposentado."
Alianças
Perguntado sobre com quem iria governar, e se teria sido um erro, em seus dois mandatos, ter cedido tanto espaço ao centrão, Lula diz não considerar as alianças um erro, mas reconhece que é possível melhorar.
"Não foi erro. Não foi porque todos os presidentes da República fazem isso. Você vai ver na Alemanha agora o companheiro que vai ser o chanceler, ele vai ter que dar cargo para os partidos que participarem da aliança com ele. Senão por que o partido vai entrar?"
"O que você pode fazer de diferente é que não é porque você constrói aliança que tem que ter corrupção. Você pode fazer acordo programático. E tem que ser assim, não é no Brasil, é no mundo inteiro. Você não precisa fazer o 'é dando que se recebe'. Você estabelece um programa mínimo e toca o pau. É que no Brasil se criou a ideia de que não se pode fazer aliança política. Aliança política é necessária, para ganhar e para governar. E mais para governar que para ganhar".
Autocrítica e expectativa
"As pessoas ficam dizendo 'ah, o PT não fez autocrítica.' É como se eu fosse para uma entrevista, e em vez ficar dizendo as coisas boas que eu fiz, eu disser as coisas que eu não fiz. Quem tem que dizer o que eu não fiz é minha oposição. Eles vão ter agora uma chance de competir comigo e dizer."
"Então essa gente agora fica 'ah, mas será que o Lula está nervoso'. Veja, nervoso eu estou. É como se eu pegasse um escravo na época da escravidão, desse 580 chibatadas nele, quando ele tivesse sangrando eu falasse 'e aí cara, dá um sorrisinho para mim'. Foram irresponsáveis pensando que iam me prejudicar, pensando que iam prejudicar a Dilma, e eles prejudicaram esse país."
"Vamos recuperar tudo com muita tranquilidade. Você não vai me ver levantar a voz em nenhum momento, você não vai me ver atacar a imprensa em nenhum momento, não vai me ver atacar nenhum opositor. Porque eu quero ser um construtor de harmonia. Se a sociedade me eleger não vai ser para ficar brigando com os outros, ela vai me eleger para consertar aquilo que os outros não tiveram competência para fazer ou para consertar o que foi destruído."
Meio ambiente e Amazônia
"Eu não tive problema ambiental com a União Europeia no meu governo e nem a Dilma. Por isso que eu falo que temos de tirar Bolsonaro. É como se você tivesse tirando um tumorzinho. Tira isso e vai embora. E vamos cuidar de manter as relações civilizadas que a gente tinha."
"Nós temos que aprender uma lição: embora a Amazônia seja da soberania brasileira, e o Brasil que tem que cuidar dela, precisamos ser inteligente e compartilhar com o mundo a pesquisa da nossa biodiversidade, que pode servir muito para indústria de fármacos, não só de remédio, mas de cosméticos. Você pode ter um pólo de desenvolvimento econômico com a participação de muitos países, de muitos cientistas. Nós não queremos ser ignorantes de manter aquele povo na pobreza, aquele povo tem que ganhar."
Saída da crise
Ao longo da conversa, Lula se refere constantemente ao seus dois mandatos para apontar o que pretende fazer se voltar à Presidência, mas, ao mesmo tempo, mostra que vem pensando em como tirar o país da crise atual.
"Tem duas palavras milagrosas que valem para o Brasil e para qualquer país do mundo: você tem que ter credibilidade externa e credibilidade interna. Quando você falar, as pessoas têm que acreditar no que você está falando... E a segunda é previsibilidade. Tem que ter um governo previsível, as pessoas não podem ser pegas de surpresa todo dia."
"A América Latina precisa do Brasil forte e a Europa precisa da América Latina forte, porque nós poderemos, juntos com a União Europeia, criar um bloco econômico, um bloco com posições políticas aproximadas, com visões ambientais aproximadas, para fazer frente a dois gigantes que estão aí agora, de um lado os EUA e do outro lado a China."
"Nós temos que fazer algumas coisas rápidas, quem tem fome não pode esperar. Por isso é que o Estado tem que entrar na briga com muita competência, fazer o que tiver que fazer. Porque mesmo se você tiver que contrair uma dívida pública para fazer um ativo produtivo, você não está gastando, você investindo e no futuro esse ativo produtivo também te dá retorno.
"Não tem países com política de desenvolvimento social, com política do bem estar social com pouca arrecadação... O Estado tem que arrecadar corretamente e da forma mais justa. Quem ganha mais paga mais e o Estado devolve em forma de qualidade de vida para as pessoas."
"Eu acho que muitas vezes é um erro você fazer um discurso 'vou fazer uma reforma tributária' imaginando que você pode colocar 50 itens no papel e vai ser aprovado no Congresso. Não vai. Faça a reforma pontual. O que é o mais importante? Discute o mais importante."
Empresários
Em conversas com empresários, o ex-presidente tem dito, segundo ele mesmo, que o que tem a oferecer é um novo mercado consumidor no país, e que reformas e outras questões são assuntos de governo, e não do empresariado.
"Parem de discutir reforma tributária, privatização, tudo isso é coisa do governo. Eu vou oferecer para vocês (empresários) mercado, eu vou oferecer poder aquisitivo. Eu vou oferecer uma sociedade de consumo para você poder vender os produtos de vocês, e parem de perturbar."
"Eu confesso que não esperava que o país fosse ficar empobrecido, te confesso que eu não acreditava. Eu imaginei que depois de 2010 o Brasil ia dar uma guinada, que ia ser a quinta economia do mundo. Eu sonhava com isso. E eu quero voltar para tentar ver se recomeço a reconstruir esse país. Eu espero que o aconteceu no Brasil tenha servido de lição para todo mundo. Nós precisamos definir que país que a gente deseja."
Ortega, Merkel e Reeleições
Depois da polêmica que causou ao comparar o terceiro mandato de Daniel Ortega na Nicarágua --obtido após a prisão de oposicionistas-- aos 16 anos de Angela Merkel à frente do governo alemão, o ex-presidente riu ao dizer que esperava pela pergunta para explicar sua posição.
Disse que o incomoda não falarem de continuísmo quando se trata de parlamentarismo, apenas ao presidencialismo, mas deixou claro que é contra reeleições por mais de um mandato.
"Eu tinha dito antes: eu não acredito que haja homens imprescindíveis ou insubstituíveis. O que tem são causas imprescindíveis, causas intransferíveis. E eu sou contra essa quantidade de reeleição, porque se eu fosse favorável, teria sido candidato no Brasil. Eu tinha 87% de ótimo e bom, todo mundo queria. Eu não quis porque eu sou favorável a alternância de poder."
"O que eu fico inquieto é que quando a Margareth Thatcher fica tantos anos no poder, ninguém fala que ela estava há tantos anos. Só fala do presidencialismo. Por que no parlamentarismo a Angela Merkel pode ficar 16 anos e ninguém fala em continuísmo? Brigaram até quando (Franklin) Roosevelt foi candidato quatro vezes nos Estados Unidos... Mas se o povo da Alemanha quer manter a Angela Merkel, que mantenha, se o primeiro-ministro da Inglaterra for ficar lá governando mais 10 anos, problema do povo inglês, problema não é meu."
"A democracia para mim é extremamente fundamental. Eu só fui presidente por causa da democracia. Nos países em que houve revolução quase nenhum operário assumiu, quase sempre era um intelectual, uma pessoa mais sofisticada. Então por que eu vou ser contra a democracia?"