Por Bernardo Caram e Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O governo brasileiro planeja criar um mercado regulado de carbono que estabeleça um teto de emissões por grandes poluidores, além de proteger a atuação de comunidades indígenas em negociações de compensação de carbono, disse à Reuters o assessor especial do Ministério da Fazenda Rafael Dubeux.
O projeto, coordenado por Dubeux no ministério, está em fase final de formatação e será uma das primeiras iniciativas concretas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma ambiciosa agenda de transformação ecológica que busca chamar atenção internacional com compromissos ambientais e incentivo a investimentos verdes.
O texto, que pode ser apresentado ao Congresso ainda neste mês, instituirá um teto para emissão de carbono para empresas que lançam mais de 25.000 toneladas de CO2 equivalente na atmosfera por ano, segundo o técnico da Fazenda.
O recorte das maiores poluidoras abarca apenas 0,1% das empresas do país, mas cobre quase metade das emissões brasileiras, disse Dubeux. Ele citou os setores siderúrgico, de cimento, alumínio e de óleo e gás como representativos desse universo, reconhecendo que, no agronegócio, grandes frigoríficos também podem ser enquadrados.
Esse limite não será definido no projeto de lei e a ideia é que seja detalhado num plano nacional, a partir do monitoramento das emissões feitas nos primeiros dois anos após a aprovação do texto pelo Congresso. Por isso, o funcionamento do mercado regulado, na prática, acontecerá no terceiro ano.
Dubeux explicou que o limite para as emissões começaria a valer em um nível relativamente confortável para as empresas, mas seria reduzido gradativamente, ano a ano, demandando um aumento de eficiência.
“De antemão, a companhia vê que em alguns anos estará super difícil para ela, a não ser que mude por completo os processos produtivos para reduzir a pegada de carbono. De imediato, traz uma mobilização das empresas e uma busca por soluções tecnológicas para descarbonizar”, disse.
Pelas regras a serem propostas, companhias que reduzirem as emissões para além do exigido poderão negociar esse excedente com empresas que precisam dos créditos para cumprir a norma. Também será possível fazer uma compensação das emissões não reduzidas, em percentual a ser estipulado depois do mapeamento das emissões, com iniciativas como reflorestamento de áreas desmatadas.
COWBOYS DO CARBONO
De acordo com Dubeux, o projeto pretende acabar com a atuação de “cowboys do carbono”, empresas que vêm fechando contratos considerados desequilibrados com comunidades indígenas para gestão do carbono capturado em seus territórios.
O texto vai assegurar aos povos indígenas o direito à comercialização de créditos de carbono gerados nos territórios que ocupam, estabelecendo critérios de proteção.
“Criamos um capítulo específico para tratar de povos indígenas e comunidades tradicionais, para endereçar esse problema dos ‘cowboys do carbono’, empresas que têm assediado comunidades e forçado a assinar contratos desequilibrados”, disse.
Segundo o assessor, o que se observa atualmente são companhias indo atrás de comunidades indígenas e propondo contratos com assimetria de informações que fazem as comunidades cederem direitos por créditos de carbono em troca de pagamentos “ínfimos”.
O projeto definirá que essas comunidades sejam ouvidas, consintam de forma ampla com as operações e recebam uma fatia justa dos recursos negociados.
Na tentativa de acelerar a tramitação e aprovar a proposta ainda neste ano, o governo avalia apensar o projeto a um texto que já tramita no Congresso, afirmou o técnico da Fazenda.
O plano, que contará com cerca de 100 ações em diversas áreas, incluindo mudanças em leis e em regras que não exigem aval do Congresso, terá seis eixos de atuação: finanças sustentáveis, tecnologia, bioeconomia, transição energética, economia circular e infraestrutura.
Em uma das frentes, os recursos arrecadados com a emissão externa de títulos públicos vinculados a compromissos socioambientais serão direcionados, em grande parte, ao Fundo Clima, gerido pelo BNDES e que será turbinado para ampliar a capacidade de financiamento de projetos relacionados à transição ecológica.
O plano ainda envolverá a reavaliação de incentivos fiscais e a criação de um imposto seletivo sobre produtos que geram impacto negativo sobre o meio ambiente, disse Dubeux.
O governo pretende, por exemplo, estimular que a região Nordeste desenvolva um parque industrial capaz de produzir equipamentos de energia eólica que seriam instalados na região, afirmou o técnico. Também está em avaliação fomentar parcerias de universidades e institutos federais com empresas privadas para desenvolvimento de tecnologias em áreas prioritárias.