Por Maria Carolina Marcello e Patricia Vilas Boas
(Reuters) - A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quinta-feira que rejeitou a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas foi comemorada por setores ligados aos povos originários e provocou fortes críticas do setor agropecuário.
Por 9 votos a 2, o STF entendeu que o corte cronológico -- no caso a promulgação da Constituição em 5 de outubro de 1988 -- não pode ser adotado como referência para a demarcação de terras indígenas.
Indenizações e modulações dos votos ainda serão discutidos pelo Supremo na próxima semana. Os dois lados prevêem desdobramentos da decisão e devem acompanhar essa discussão judicial de perto.
Para representantes do setor agropecuário, a decisão traz insegurança jurídica e riscos para os proprietários rurais. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) emitiu nota dizendo que o julgamento do STF "trará consequências drásticas para a atividade agropecuária e para as relações sociais, instalando um estado de permanente insegurança jurídica".
A confederação deposita suas fichas na articulação da bancada agropecuária no Congresso Nacional para legislar, "reestabelecendo a segurança jurídica e assegurando a paz social".
A Frente Parlamentar da Agricultura (FPA) já anunciou que deve articular seus mais de 40 senadores e 280 deputados para aprovar um projeto de lei que fixa o marco temporal, além de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata das indenizações a proprietários de terras a serem desapropriadas.
O presidente da frente, deputado Pedro Lupion (PP-PR), afirmou em vídeo divulgado por sua assessoria que a bancada vai trabalhar de forma articulada para aprovar as propostas, mesmo que para isso seja necessário oferecer obstáculos a outras votações no Legislativo.
"A Frente Parlamentar Agropecuária está unida, coesa, trabalhando por esse assunto. Custe o que custar: obstruções na Câmara, obstruções no Senado, e trabalho contundente para resolvermos esse assunto", disse o deputado no vídeo.
Representantes dos povos indígenas, por outro lado, consideraram a decisão do STF uma vitória histórica e o desfecho de anos de lutas pela proteção dos povos originários.
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, comemorou o resultado de Nova York, onde acompanha a Semana do Clima da ONU.
"Foram tantos anos de muitas lutas, muitas mobilizações, muita apreensão para este resultado, porque esse resultado define o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil. Então vamos sim comemorar o resultado dessa grande força dos povos indígenas do Brasil", disse a ministra.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também comemorou a decisão que derrubou a "tese anti-indígena", mas alertou para a discussão das indenizações no STF e para a votação do projeto de lei que fixa o marco em comissão do Senado, ambas previstas para a próxima semana.
"Nós saímos vitoriosos sim da tese do marco temporal, mas ainda há muita luta a ser feita para afastar todas as ameaças que também estão tramitando no Senado Federal que é através do PL 2903", disse Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib em nota da entidade.
A nota também argumenta que a proposta de indenização a proprietários por ocasião da demarcação de terras indígenas "supõe uma premiação aos invasores ilegais que representam a maioria das propriedades com sobreposição em terras indígenas", apesar de reconhecer uma "pequena parcela" de pequenos proprietários que tenham adquirido de boa-fé títulos de propriedade sobre terras indígenas.
(Reportagem de Maria Carolina Marcello, em Brasília, e Patrícia Vilas Boas, em São Paulo)