Por Brian Love
PARIS (Reuters) - O diretor de cinema Jean-Luc Godard, principal nome do movimento cinematográfico francês Nouvelle Vague, que ultrapassou as fronteiras do cinema e inspirou diretores décadas após seu auge na década de 1960, morreu nesta terça-feira aos 91 anos de idade, informaram sua família e produtores.
Godard estava entre os diretores mais aclamados do mundo, conhecidos por clássicos como "Acossado" e "O Desprezo", que romperam com as convenções e ajudaram a iniciar uma nova forma de fazer cinema, com o trabalho de câmera portátil e diálogo existencial.
"Jean-Luc Godard morreu pacificamente em casa, cercado pelos seus entes queridos", disseram a esposa do cineasta, Anne-Marie Mieville, e seus produtores em comunicado publicado por vários veículos de imprensa da França. O corpo de Godard será cremado e não haverá nenhuma cerimônia oficial, acrescentaram.
Para muitos cinéfilos, nenhum elogio é suficiente: Godard, com seus cabelos pretos despenteados e seus óculos de lentes pesado, foi um verdadeiro revolucionário que transformou cineastas em artistas, colocando-os em pé de igualdade com mestres pintores e ícones da literatura.
"Um filme deveria ter um começo, um meio e um fim, mas não necessariamente nessa ordem", disse Godard certa vez.
Godard não foi o único a criar a Nouvelle Vague francesa, um crédito que ele divide com pelo menos uma dúzia de colegas, incluindo François Truffaut e Eric Rohmer, a maioria deles amigos da badalada e boêmia margem esquerda de Paris no final dos anos 1950.
No entanto, ele se tornou o ícone de um movimento, que teve repercussões no Japão, em Hollywood e, de forma mais improvável, no que era então a Tchecoslováquia comunista e no Brasil.
"Jean-Luc Godard, o cineasta mais iconoclasta da Nouvelle Vague, inventou uma arte resolutamente moderna, intensamente livre. Estamos perdendo um tesouro nacional, um olhar de gênio", tuitou o presidente da França, Emmanuel Macron.
Quentin Tarantino, diretor dos filmes cult "Pulp Fiction: Tempo de Violência" e "Cães de Aluguel", dos anos 1990, está entre uma geração mais recente de cineastas que assumiu o manto da tradição iniciada por Godard e seus colegas em Paris.
Anteriormente, veio Martin Scorsese, em 1976, com "Taxi Driver", o perturbador thriller psicológico iluminado por neon sobre um veterano da guerra do Vietnã que virou taxista e que passa a noite nas ruas com uma obsessão crescente pela necessidade de limpar Nova York.
"Descanse em paz, Jean-Luc Godard, um dos mais influentes cineastas iconoclastas de todos", disse o diretor de cinema Edgar Wright. "Foi irônico que ele mesmo reverenciasse o sistema de produção de filmes do estúdio de Hollywood, pois talvez nenhum outro diretor tenha inspirado tantas pessoas a pegar uma câmera e começar a filmar..."
Godard não era, entretanto, universalmente reverenciado. Entre seus críticos mais mordazes estava o falecido diretor sueco Ingmar Bergman, ele próprio um pioneiro no cinema europeu que talvez seja mais conhecido por seus filmes de 1957 "O Sétimo Selo" e "Morangos Silvestres".
"Nunca tirei nada dos filmes (de Godard). Eles se sentiam construídos, intelectuais falsificados e completamente mortos. Cinematograficamente desinteressante e infinitamente chato", disse ele uma vez em uma entrevista, de acordo com o site de sua fundação.
NOVA ONDA, NOVAS FORMAS
Godard nasceu em uma família franco-suíça rica em 3 de dezembro de 1930, em Paris. Seu pai era médico, sua mãe era a filha de um suíço que fundou o Banque Paribas, então um ilustre banco de investimentos.
Esta criação contrastou com os caminhos pioneiros que trilharia posteriormente. Godard se relacionou com gente da mesma opinião, cuja insatisfação com os filmes de humor que nunca se desviaram da convenção plantou as sementes de um movimento de ruptura que veio a ser chamado de Nouvelle Vague.
Com sua abordagem mais franca e ousada sobre sexo, violência e suas explorações da contracultura, política antiguerra e outros costumes em transformação, a Nouvelle Vague era sobre inovação na realização de filmes.
Godard foi um dos mais prolíficos de seus pares, produzindo dezenas de curtas e longas-metragens ao longo de mais de meio século a partir do final dos anos 1950.
"Às vezes a realidade é muito complexa. As histórias lhe dão forma", disse Godard.
A maioria de seus filmes mais influentes e comercialmente bem-sucedidos veio nos anos 1960, incluindo "Viver a Vida", "O Demônio das Onze Horas", "Duas ou Três Coisas que Sei Dela" e "Week-End À Francesa".
Ele mudou para a direção de filmes mergulhados na política esquerdista e antiguerra durante os anos 1970, antes de voltar a uma corrente mais comercial. Obras recentes, porém --entre elas "Adeus à Linguagem", de 2014, e "O Livro de Imagem", de 2018-- foram mais experimentais e restritas a um público de aficcionados por Godard.
(Reportagem adicional de Sudip Kar-Gupta e Sophie Louet)