Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - O futuro governo Lula deve criar uma área específica dentro da Polícia Federal para investigar crimes ambientais que possa atuar no que é visto como um "combo" de ações ilegais na Amazônia, que ultrapassam o desmatamento e o garimpo ilegal e chegam ao tráfico de drogas e armas e à lavagem de dinheiro.
Em entrevista à Reuters, o coordenador do grupo técnico de Justiça e Segurança Pública do gabinete de transição, Flavio Dino (PSB-MA), explicou que a proposta é ter uma diretoria específica, em uma resposta às necessidades da região e à demanda nacional e internacional em relação ao meio ambiente.
"Há uma espécie de combo de crimes hoje na Amazônia. Você tem narcotraficantes fazendo tráfico de drogas e, ao mesmo tempo, fazendo garimpo ilegal. Você tem exploração ilegal de madeira ou comercialização ilegal de madeira, feita também por quem opera lavagem de dinheiro, de garimpo ilegal", defendeu o senador eleito, cotado como possível ministro da Justiça no terceiro governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Dino detalhou que, dada a sofisticação e a transnacionalidade dos crimes, há a necesidade de "uma especialização para você ter maior eficiência e uma maior articulação com os países vizinhos" para combatê-los.
O ex-governador do Maranhão defende que a mudança dentro da PF --hoje os crimes ambientais estão dentro da Diretoria de Combate ao Crime Organizado-- é uma "proposta prática, que mostra um senso de prioridade para essa questão ambiental" e que facilita a articulação não apenas com outros países de fronteira, mas com forças estaduais e municipais.
A ideia surge no momento em que os EUA planejam usar as duras sanções previstas na chamada Lei Magnitsky, que pune os acusados de violações de direitos humanos pelo mundo, para reprimir os responsáveis pelo aumento do desmatamento na Amazônia, conforme revelou a Reuters.
O meio ambiente é parte estratégica do chamado "revogaço" que o gabinete de transição está planejando em várias áreas, com o objetivo de deixar sem efeito normas e decretos da atual gestão Jair Bolsonaro.
De acordo com o senador eleito, um conjunto de portarias, resoluções e decretos que foram editados durante o atual governo vem dificultando a fiscalização e o combate a crimes ambientais, ou mesmo estimulando as ilegalidades. Por isso, o relatório do grupo que coordena vai propor que sejam revogados.
"Por exemplo, no que se refere à destinação de bens apreendidos. Se criou um embaraço em que a polícia flagra alguém cometendo um crime ambiental e é muito difícil aprender os bem os instrumentos do crime, porque se alega que são pessoas agindo de boa fé", disse Dino.
DESMONTAGEM DA POLÍTICA PRÓ-ARMAS
Segundo o coordenador do GT, não há dificuldades com a maior parte das revogações na área ambiental, já que não se criaria vácuo legal, apenas se voltaria para a legislação anterior.
É esse também o panorama, na avaliação do senador eleito, no caso do principal "revogaço" defendido por ele, que é o que visa eliminar toda a legislação criada por Jair Bolsonaro por meio de portarias e decretos que permitiram tanto a ampliação da aquisição de armas e munições como regras mais frouxas até para o porte, ferindo as leis atuais.
Já é certo que toda essa legislação será revogada, voltando-se à lei anterior, que limita a quantidade e o alcance das armas e munições que podem ser compradas.
O futuro governo, no entanto, terá que criar uma solução para o arsenal atualmente nas mãos de Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs), uma categoria que cresceu quase 200% nos últimos quatro anos, com pouca ou nenhuma fiscalização, e se tornou um atalho para liberar a posse de armas no país.
"A questão é que nesse interregno se formaram arsenais de fuzis, munições, e estoques. E aí o debate hoje gira em torno do que fazer com isto. Enfatizo que não existe direito adquirido a andar armado. Esse é um conceito jurídico fundamental, do qual não abro mão porque eu tenho plena convicção. Ninguém pode opor direito adquirido ao poder de polícia do Estado", defende Dino.
Ele exemplifica: se a prefeitura invertesse a mão de uma rua, ninguém poderia alegar direito adquirido de andar na contramão. O mesmo valeria, argumenta Dino, para quem reivindicasse continuar usando o medicamento que passou a ser proibido pela Anvisa.
"Nós não estamos tratando nem de atos arbitrários, nem de confisco, que é uma palavra que tem sido usada erradamente. Não é confisco de propriedade. É apenas dizer se aquela propriedade está ou não de acordo com a lei", segue o senador eleito, que foi juiz federal antes de entrar na política.
Não existe a intenção do futuro governo de confiscar as armas compradas durante a vigência dos decretos de Bolsonaro, mas implementar medidas para diminuir o arsenal em poder de civis. Uma delas pode ser o Estado se oferecer para comprar de volta armas, especialmente as chamadas armas longas, como fuzis, que eram de uso restrito às forças de segurança. Outra medida no horizonte é aumentar a fiscalização de CACs e clubes de tiro.
"Nem o Exército fez o seu trabalho de fiscalização desses clubes, desses CACs. As estatísticas mostram isso, você tem 700.000 CACs e as fiscalização chega a 2%, 3%", critica ele.
"Uma organização criminosa para assaltar um banco tinha que fazer uma operação internacional para comprar um fuzil. Hoje é mais fácil criar um registro de CAC fraudulenta, mais barato e prático, fácil e, inicialmente, absolutamente legal", seguiu.
O GT de Justiça e segurança pública apresenta nesta quarta-feira o primeiro relatório preliminar da transição, que vai incluir a proposta de maior controle e de um recenseamento de armas e munições em circulação. Um dos pontos que ficou fora é a decisão sobre se o Ministério da Justiça e Segurança Pública será ou não desmembrado.
Segundo senador eleito, essa é uma decisão que caberá ao presidente eleito --em sua campanha, Lula havia prometido fazer a separação, mas especialistas, incluindo Dino, preferem que continue sendo uma pasta única.
Apesar de ter sido o único nome citado diretamente por Lula como possível ministro, o senador eleito também diz que nunca conversou com o presidente sobre o assunto.
"Não houve nenhum tipo de convite, sondagem, nem nada parecido", garantiu.
(Reportagem de Lisandra Paraguassu. Reportagem adicional de Bernardo Caram)