Débora Ely
28 Out (Reuters) - Na primeira semana após a resolução que ampliou os poderes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para remover notícias falsas das redes sociais, a corte fez uso moderado das novas regras, com ministros recorrendo a elas majoritariamente para acelerar a retirada de conteúdos e atuando unilateralmente, como o texto permite, em apenas quatro casos.
Até esta sexta-feira, o TSE havia aplicado a resolução em 17 dos 21 processos em que decidiu pela remoção de postagens desde 20 de outubro. Nestes casos, a corte determinou que as empresas apagassem páginas ou publicações enganosas até duas horas após serem notificadas, sob pena de multa. O levantamento foi feito pela Reuters a partir de decisões publicadas pelo TSE.
Embora seja criticada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores, que consideram a resolução “censura”, a nova regra beneficiou a campanha da reeleição na mesma medida que a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até o momento.
O TSE fixou o prazo mais célere de retirada de postagens em seis pedidos da coligação do mandatário e seis da de Lula. Os demais casos foram solicitados pelo Ministério Público Eleitoral ou pela própria Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE.
Em um dos processos movidos por Bolsonaro, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, determinou que o Instagram e o Twitter removessem postagens nas quais o deputado federal André Janones (Avante-MG) dizia que o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) era coordenador de campanha do presidente.
Já em uma das solicitações de Lula, Moraes ordenou que o Twitter deletasse um post do deputado federal eleito Nikolas Ferreira (PL-MG) que alegava que o ex-presidente fecharia igrejas e estimularia abortos.
Todos os casos em que o TSE atuou sem ser provocado por uma das campanhas ou pelo Ministério Público, uma das principais novidades liberadas pela resolução, foram deliberados nesta quinta-feira e assinados por Moraes.
No de maior repercussão, o ministro ordenou que o Telegram banisse dois grupos de apoiadores de Bolsonaro que estimulavam atos violentos e disseminavam desinformação relacionada ao processo eleitoral -- o caso foi revelado em reportagem da Agência Pública.
PRAZO DE REMOÇÃO CAI PARA UMA HORA
Proposta por Moraes diante da percepção de que a disseminação de desinformação disparou no segundo turno, a resolução reduziu para duas horas o prazo máximo para que as plataformas apaguem conteúdos indicados em decisões do TSE, com multa de 100 mil reais a 150 mil reais em caso de descumprimento. Entre esta sexta-feira, antevéspera da eleição, e a próxima quarta-feira, o período cai para uma hora.
A medida também autoriza o TSE a atuar de ofício para remover postagens falsas das redes sociais --ou seja, a corte pode determinar que as empresas apaguem conteúdos idênticos que já foram alvo de decisões anteriores sem a necessidade de um novo pedido ou julgamento--, prevê a suspensão temporária de perfis que publiquem desinformação sistematicamente e estabelece o bloqueio de plataformas que desrespeitem as regras.
“É uma mudança de regras bastante abrupta, adequando a velocidade que já é inerente ao processo eleitoral com a dinâmica da internet. Os mecanismos tradicionais não estavam dando conta da velocidade de disseminação de conteúdo, e o tribunal deu esse passo para tentar lidar com essa situação”, diz Heloisa Massaro, diretora do centro de pesquisas InternetLab.
“Parece que a resolução vem da preocupação com o impacto que determinadas narrativas podem ter para a integridade das eleições nesta última semana”, seguiu Massaro.
O texto ainda proíbe anúncios pagos nas redes sociais nas 48 horas anteriores e nas 24 horas posteriores ao domingo de eleição.
Sob condição de anonimato, representantes de duas plataformas disseram à Reuters que a resolução está entre as medidas mais rígidas aplicadas às empresas mundialmente na tentativa de combater as notícias falsas. A Reuters é um dos veículos de imprensa pagos por Meta e TikTok dentro de programas de parceria para o combate à desinformação nas plataformas destas empresas no Brasil.
Grande parte do ineditismo das normas está no protagonismo da Justiça Eleitoral na discussão, segundo o diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Carlos Affonso Souza. O pesquisador avalia que as eleições brasileiras se tornaram uma espécie de “evento teste” mundial da eficácia de iniciativas que buscam frear a desinformação.
“A resolução tem um efeito quase simbólico de atacar grandes narrativas desinformativas na reta final da campanha, mas não devemos comprá-la com a ideia de que ela vai acabar com a desinformação”, afirma Souza.
“O seu teste final vai ser a divulgação dos resultados no domingo, quando saberemos o quanto os mecanismos dessa resolução conseguem ser efetivos em um eventual cenário de contestação de resultado”, disse.
(Por Débora Ely, em Porto Alegre)