(O autor é editor de Front Page do Serviço Brasileiro da Reuters. As opiniões expressas são do autor do texto)
Por Alexandre Caverni
SÃO PAULO (Reuters) - O post do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso numa rede social nesta segunda-feira mostra que os tucanos parecem não querer repetir o que consideraram depois um grave erro de avaliação há dez anos, quando eclodiu o escândalo do mensalão.
Em 2005, o PSDB evitou partir para uma tentativa de impeachment contra o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva porque temia reações populares e dos movimentos sociais organizados, mas principalmente porque acreditava que bastava fazer o governo sangrar até as eleições no ano seguinte para que o petista fosse batido nas urnas.
A história é conhecida: não só Lula foi reeleito, como deixou o governo com os mais elevados índices de popularidade de um presidente e fez como sua sucessora Dilma Rousseff, sem ela nunca antes ter disputado qualquer eleição.
Agora, no primeiro momento de arrefecimento das pressões contra Dilma em muito tempo e um dia depois de grandes manifestações pedindo seu impeachment, mas não tão grandes como as de março, Fernando Henrique fala que falta "base moral" e legitimidade ao governo da petista.
Para o tucano, resta à presidente o "gesto de grandeza" da renúncia.
Ainda que coloque uma segunda opção --"a voz franca de que errou, e sabe apontar os caminhos da recuperação nacional"--, Fernando Henrique sugere um horizonte no qual se a presidente não sair por iniciativa própria, será forçada a deixar o cargo, num processo iniciado por alguém que teria "força moral", como Ulysses Guimarães contra o ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992.
O problema é que Dilma já deixou claro várias vezes que não tem a menor intenção de trilhar o caminho da renúncia. Desse modo, para quem quer a mudança já no comando do país restam duas hipóteses.
Uma delas é a cassação da chapa Dilma-Michel Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que está analisando se dá andamento a um pedido nesse sentido apresentado pelo PSDB por suposto abuso de poder na campanha eleitoral do ano passado.
Embora possível, parece pouco provável que o TSE resolva cassar o mandado de um presidente da República sem que encontre provas absolutas contra Dilma. Assim mesmo, o processo levaria um bom tempo e em caso de decisão contra a petista certamente iria parar no Supremo Tribunal Federal (STF), sem previsão de prazo para um desfecho.
A outra hipótese para o afastamento de Dilma é o impeachment e aqui também a questão não é simples. A solução afastamento à força só é usada depois que há um grande entendimento sobre o "depois".
Esse amplo entendimento é necessário justamente porque hoje a força nesse afastamento é política e não de outra natureza, como em épocas passadas. E esse grande acerto sobre o "depois" não existe, pelo menos por ora.
Um dos principais motivos para isso é a operação Lava Jato que investiga um esquema bilionário de corrupção envolvendo empresas públicas e privadas, partidos e políticos e que trouxe um grau de incerteza poucas vezes visto sobre quem pode ser o próximo a ser pego.
Além disso, o próprio PSDB de Fernando Henrique tem suas divisões internas e o PMDB, do vice-presidente Temer, não vê hoje grandes vantagens em assumir o comando do país num cenário de recessão, inflação elevada e desemprego em alta, quadro que deve se manter por um bom tempo ainda.
Mas o fato de esse entendimento sobre o "depois" não existir ainda não significa que não possa vir a existir.
Assim, a declaração de Fernando Henrique pode ser vista como uma ação que pega embalo com as ainda grandes manifestações para manter elevada a temperatura da água de fervura de Dilma e impedir que a acomodação política que começou a ser desenhada na semana passada ganhe força.
* Esta coluna foi publicada inicialmente no terminal financeiro Eikon, da Thomson Reuters.