Por Gabriela Mello
SÃO PAULO (Reuters) - O novo Fies proposto pelo governo federal despertou uma série de dúvidas e preocupações sobre o acesso de alunos ao financiamento estudantil no país e vem mobilizando entidades do ensino superior privado para engajar parlamentares na elaboração de emendas a uma Medida Provisória sobre o tema que está sendo redigida.
A revisão das regras era aguardada para o começo deste ano, mas o anúncio foi adiado consecutivas vezes em meio à crise política e foco do governo em mostrar avanço em reformas como a da Previdência, e somente em julho o novo formato do programa foi apresentado ao mercado.
A percepção entre muitos representantes do setor é a de que vários aspectos do novo Fies não foram devidamente esclarecidos e alguns questionam se o governo conseguirá preencher todas as lacunas até o fim do ano, enquanto outros já temem que um atraso na implementação das normas possa comprometer as captações de alunos para 2018 e, em última análise, a continuação do programa.
Com o desequilíbrio das contas públicas e incertezas sobre o futuro do Fies, muitas instituições privadas já lançaram seus próprios programas de financiamento estudantil e, paralelamente, se esforçam para mobilizar as autoridades a resolver o impasse.
Uma submissão na Câmara dos Deputados especialmente devotada ao tema, formada por 11 parlamentares, já recebeu cerca de 280 propostas de emendas à MP que instituirá o novo Fies, disse uma fonte do setor privado com conhecimento direto do assunto, que pediu anonimato porque a discussão ainda está em andamento.
Só o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp) propôs cerca de 20 emendas. "Estamos participando e entregamos documentos com nossas sugestões", contou o diretor-executivo do órgão, Rodrigo Capelato, que também acompanha de perto os trabalhos da subcomissão, em Brasília.
O novo formato que o governo pretende adotar para o Fies a partir de 2018 prevê três modalidades de financiamento e a oferta de ao menos 300 mil vagas. A meta, conforme esclareceu o Ministério de Educação, é garantir a sustentabilidade do programa e permitir ao Tesouro Nacional poupar entre 6 bilhões e 7 bilhões de reais em 10 anos.
Para 2017, foram ofertadas 225 mil vagas de Fies ainda nos moldes antigos, sendo 150 mil para o primeiro semestre, das quais 121,9 mil foram preenchidas, de acordo com informações do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). No início de agosto, o MEC informou que a demanda havia superado em mais de três vezes as 75 mil vagas do programa disponibilizadas para o segundo semestre, com 224.244 inscritos.
"Ainda não está claro ainda como será o Fies ano que vem", afirmou o diretor-executivo do Semesp. Entre as alterações mais preocupantes para o setor, ele destacou a destinação de vagas exclusivamente para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e a elevação das contribuições de universidades privadas ao Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (Fgeduc).
Também ainda não se sabe se o Ministério da Educação (MEC) continuará alocando um significativo percentual das vagas para áreas prioritárias (engenharia, saúde e pedagogia) como acontece no modelo atual, segundo Capelato.
DEMANDAS DO SETOR PRIVADO
Uma das cerca de 20 sugestões feitas pelo Semesp para o novo Fies é a inclusão de cursos técnicos, que normalmente têm duração e custo menores, além de oferecerem melhor perspectiva de empregabilidade. "Um aluno de engenharia poderia financiar três tecnólogos, que em geral têm formação mais focada no que o mercado de trabalho precisa", disse Capelato.
O sindicato ainda propõe o uso de recursos do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) ou os chamados depósitos compulsórios (recursos que os bancos são obrigados a recolher aos cofres do Banco Central) para solucionar o problema da escassez de recursos públicos para financiamento estudantil.
"Se o FGTS pode ser usado para compra da casa própria, acho plausível que uma família possa usá-lo para pagar universidade do filho", disse o diretor-executivo do Semesp.
Em relação à cobrança do empréstimo na fase de amortização, Capelato disse que o desconto em folha em pagamento sugerido pelo governo contempla apenas os alunos com carteira assinada, deixando fora aqueles com contrato temporário ou empreendedores. De acordo com ele, uma forma de contornar esse problema seria cobrar o financiamento por meio da declaração de Imposto de Renda.
Desde sua criação em 1999, o Fies tem 2,3 milhões de contratos ativos, dos quais 336 mil em fase de amortização, conforme dados do FNDE. O auge do programa ocorreu em 2014, ano eleitoral em que foram firmados 732.688 contratos.
Outra entidade que representa instituições privadas de educação superior propôs 42 emendas e a meta é avançar em ao menos 12 delas, disse à Reuters a fonte que pediu para não ser identificada.
Entre as principais, ela destacou uma composição heterogênea para o Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil, com inclusão de representantes de universidades privadas, e a manutenção dos contratos já firmados.
Essa mesma organização ainda defende que se suprima do texto da MP a regra de que não haverá aportes adicionais da União ao fundo garantidor dos financiamentos do Fies. A princípio, o MEC informou que a contribuição do governo federal se limitaria a 500 milhões de reais por ano nos próximos quatro anos.
"Também há conversas de que a Caixa passaria a ser o agente operador do Fies e nós queremos que o FNDE siga nessa função", acrescentou a fonte, destacando que a mudança tornaria ainda menos efetiva a cobrança dos empréstimos, aumentando o risco de inadimplência por parte dos alunos.