Por Maria Carolina Marcello e Leonardo Goy
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira, tornando-se o primeiro político com foro privilegiado a ser acusado por envolvimento no escândalo de corrupção apurado pela operação Lava Jato.
Na denúncia, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acusa Cunha de receber pelo menos 5 milhões de dólares em propina e pede sua condenação pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Caso o STF aceite a denúncia do Ministério Público Federal em decisão colegiada, Cunha passará à condição de réu na Justiça. Após a entrega da denúncia ao STF, um grupo de deputados de 10 partidos pediu o afastamento de Cunha do comando da Casa.
"Estou absolutamente sereno e refuto com veemência todas as ilações constantes da peça do procurador-geral da República.
Sou inocente e com essa denúncia me sinto aliviado, já que agora o assunto passa para o Poder Judiciário", afirmou Cunha em nota divulgada após o envio da denúncia ao Supremo. Ele reiterou que não deixará o comando da Câmara.
O senador e ex-presidente da República Fernando Collor (PTB-AL) também foi denunciado pela MPF nesta quinta-feira. Ele foi alvo de investigação por suspeita de envolvimento na Lava Jato, mas como a denúncia foi feita em sigilo, não é possível saber quais acusações estão sendo feitas contra o senador. Segundo informações veiculadas na imprensa, no entanto, o senador também está sendo acusado receber propina na Lava Jato.
Na denúncia contra Cunha, o procurador também acusa a ex-deputada federal Solange Almeida, atualmente prefeita de Rio Bonito (RJ) pelo PMDB, de corrupção passiva.
A denúncia contra Cunha e a ex-deputada pede o ressarcimento de 277,37 milhões de reais, equivalentes a 80 milhões de dólares --40 milhões de dólares que teriam sido desviados e outros 40 milhões de dólares a título de indenização para a Petrobras (SA:PETR4).
"Como eu já disse anteriormente, fui escolhido para ser investigado e, agora, ao que parece, estou também sendo escolhido para ser denunciado, e ainda, figurando como o primeiro da lista... Também é muito estranho não ter ainda nenhuma denúncia contra membro do PT ou do governo, detentor de foro privilegiado", disse o presidente da Câmara.
Em seu perfil no Facebook, Collor divulgou nota em que afirma que não teve direito de ser ouvido no processo. "Se tivesse havido respeito ao direito de o senador se pronunciar e ter vista dos autos, tudo poderia ter sido esclarecido", afirma.
Segundo o empresário Júlio Camargo, um dos delatores da Lava Jato, que investiga corrupção envolvendo empresas estatais, órgãos públicos, empreiteiras e políticos, o presidente da Câmara pediu pessoalmente a ele o pagamento de 5 milhões de dólares.
Na denúncia, Janot afirma que Cunha recebeu pelo menos 5 milhões de dólares em propina e que pediu a Camargo o pagamento de 40 milhões de dólares para si, para o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, e para Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, e apontado como operador do PMDB no esquema de corrupção na estatal. O partido nega envolvimento no esquema.
Janot afirmou ainda que a propina foi paga para facilitar e viabilizar a contratação do estaleiro Samsung Heavy Industries, responsável pela construção de navios-sonda da Petrobras.
"O procurador-geral explica que, para dar aparência lícita à movimentação das propinas acertadas, foram celebrados dois contratos de comissionamento entre a Samsung e a empresa Piemonte, de Júlio Camargo", afirmou o MPF.
Cerveró e Fernando Baiano estão presos e já foram condenados pela Justiça Federal do Paraná em ações penais ligadas à Lava Jato, entre elas a ação relativa a contratação dos navios-sonda. Camargo fez acordo de delação premiada e concordou em colaborar com as investigações em troca de redução da pena.
"INSUSTENTÁVEL"
Após a entrega da denúncia contra Cunha, um grupo de deputados de 10 partidos divulgou manifesto pedindo o afastamento dele da presidência da Casa. A bancada do PMDB na Câmara, contudo, divulgou nota se solidarizando e apoiando Cunha.
"Agora, com a denúncia do Ministério Público, a situação torna-se insustentável para o presidente, que já demonstrou utilizar o poder derivado do cargo em sua própria defesa", afirma o manifesto, assinado por deputados de PSOL, PSB, PT, PPS, PDT, PMDB, PR, PSC, Pros e PTB.
"Em defesa do Parlamento, clamamos pelo afastamento imediato de Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados", acrescentou o manifesto.
Entre os deputados que participaram da leitura do manifesto estavam o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ) e os petistas Alessandro Molon (RJ) e Henrique Fontana (RS). O grupo esclareceu que o movimento era de parlamentares, não de lideranças partidárias, à exceção do PSOL.
O partido, inclusive, anunciou que entrará com representação pedindo a cassação do mandato parlamentar de Cunha caso o STF aceite a denúncia contra o presidente da Câmara.
Na nota que emitiu após a denúncia, Cunha disse que continuará seu trabalho como presidente da Câmara "com a mesma lisura e independência que sempre nortearam os meus atos".
O presidente da Câmara rompeu com o governo da presidente Dilma Rousseff após ser acusado por Camargo de receber propina. Ele acusa o Palácio do Planalto e o procurador-geral da República de atuarem em conjunto para constrangê-lo.
Antes da entrega da denúncia contra Cunha, Dilma se recusou a comentar quando indagada se o pedido de abertura de ação penal contra o presidente da Câmara, que àquela altura era aguardado, seria um ingrediente a mais na atual crise política.
"Você me desculpa, mas a Presidência da República e o Executivo não fazem análise a respeito de investigações.
De maneira alguma, nem a respeito de outros poderes", disse Dilma.
Após a denúncia contra Cunha, o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, divulgou nota afirmando que o governo não comentará a manifestação de Cunha, acrescentando que "o governo da presidenta Dilma acredita na isenção das instituições que apuram as denúncias".
(Reportagem adicional de César Raizer e Luciana Otoni, em Brasília e Eduardo Simões, em São Paulo)