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Laudo falso vira ameaça para Marçal e leva campanha à polícia

Publicado 06.10.2024, 04:01
Atualizado 06.10.2024, 07:10
© Reuters.  Laudo falso vira ameaça para Marçal e leva campanha à polícia

A publicação de um laudo falso em uma rede social do candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PRTB, Pablo Marçal, fez com que a campanha do primeiro turno da maior cidade do País terminasse como um caso de polícia. A Justiça Eleitoral de São Paulo examinou e negou o pedido de prisão do candidato apresentado por Guilherme Boulos (PSOL), que foi o alvo da falsificação que buscava retratá-lo como alguém que sofreu um surto psicótico associado ao consumo de cocaína. O juiz Rodrigo Capez, porém, determinou a suspensão por 48 horas da rede social usada por Marçal e a abertura de inquérito pela Polícia Federal para apurar a prática, em tese, de quatro crimes.

Além disso, peritos do Instituto de Criminalística da Polícia Civil concluíram que o laudo apresentado por Marçal era falso, primeiro passo para a abertura de investigação sobre o caso também na esfera estadual. Apoiador do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que disputa a reeleição, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) lamentou a divulgação do laudo falso e disse que, "se o Brasil fosse sério, Marçal ia preso".

O candidato do PRTB negou ter participado da falsificação. Disse que apenas publicou o documento (mais informações nesta página).

Mas o fato será analisado também pela mais alta Corte do País. O ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o candidato se explique em 24 horas. Ele citou a possibilidade de cassação do registro do candidato, pois "há indícios de que ele tenha cometido abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação".

CONSEQUÊNCIAS

Especialistas em Direito Eleitoral ouvidos pela reportagem afirmaram que, com a conclusão de que o laudo é falso, Marçal pode ser cassado e ficar inelegível por oito anos, além de pegar até oito anos de prisão por crimes contra a honra do rival e pelo uso de documento falso na eleição.

O advogado Felipe da Costa, especialista em Direito Eleitoral e Administrativo, soma à lista de possíveis acusações a Marçal o crime de abuso de poder econômico. "A divulgação de laudo fatalmente será objeto de ação que pode culminar com a condenação de Pablo Marçal." A professora da FGV Direito Rio Isabel Veloso também vê possibilidade de Marçal ser enquadrado por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação.

Desde o primeiro debate na TV na campanha deste ano, em 8 de agosto, Marçal insinuava constantemente que Boulos usaria cocaína. Foi obrigado pela Justiça a retirar as publicações do ar. O influenciador publicou em conta do Instagram o laudo falso às 21h40 de sexta-feira.

O documento, preenchido em um papel de receituário da Mais Consulta Clínica Médica, dizia que Boulos teria sido atendido no lugar com surto psicótico, com um exame que atestaria o uso de cocaína. O documento tinha como data 19 de janeiro de 2021 e era assinado pelo médico José Roberto de Souza.

Foram necessárias poucas horas para que a farsa fosse desmontada antes mesmo da conclusão da perícia. Primeiro, Boulos mostrou que naquela data havia participado de uma transmissão ao vivo, defendendo a vacina contra covid-19 e, depois, foi a um evento em Osasco, na Grande São Paulo, conforme publicações nas redes sociais. No dia seguinte, foi entregar cestas básicas na Favela Vietnã, na zona sul de São Paulo.

Logo em seguida, surgiu a informação de que o dono da clínica Mais Consulta, Luiz Teixeira da Silva Junior, havia sido condenado em 2023 pela Justiça Federal por falsificação de documento. Amigo de Marçal - ambos aparecem em várias publicações em redes sociais -, o empresário foi considerado culpado de fraude para obter seu registro médico no Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul.

Por fim, a análise do documento publicado por Marçal demonstrou inúmeras inconsistências, do português sofrível ao erro do número de RG de Boulos. Em um aspecto mais grave, a assinatura do médico que atestaria o laudo era diferente daquela que ele registrara em documentos oficiais. José Roberto de Souza morreu e, segundo sua família, nunca trabalhou na clínica Mais Consulta.

"Meu pai nunca trabalhou na capital paulista. Sempre atendeu em Campinas e região. Em 2021, ele já não trabalhava", afirmou a médica Aline Garcia de Souza, filha de José Roberto. Seu pai sofria de anemia hemolítica e morreu em 2022. Segundo ela, a família vai se reunir para entrar com ação contra Marçal. "O que foi feito é um crime."

CRIMES

À tarde, o juiz Capez chegou a conclusão semelhante. Ao determinar a derrubada, por 48 horas do perfil no Instagram do candidato, ele escreveu que negava a decretação de sua prisão em razão da legislação eleitoral e porque acreditava que o bloqueio da rede social de Marçal já seria suficiente para manter a ordem pública.

Para o magistrado, Marçal, em tese, podia ter divulgado fatos inverídicos em relação a partidos ou a candidatos capazes de exercer influência no eleitorado (pena de 2 meses a 1 ano); difamado alguém na propaganda eleitoral de caráter ofensivo (pena de 3 meses a 1 ano); falsificado documento particular para fins eleitorais (pena de até 5 anos de prisão); e feito uso de documento falsificado para fins eleitorais (até 5 anos de cadeia).

"Trata-se de notícia de fatos concretamente graves, perpetrados às vésperas do pleito eleitoral, em tese, com o nítido propósito de interferir no ânimo do eleitor, mediante divulgação, em rede social, com extensa repercussão, de documento médico falso", afirmou o magistrado.

Em razão disso, o juiz determinou que a empresa Meta, dona do Instagram, retirasse do ar a conta @pablomarcalporsp. E fixou multa de R$ 200 mil em caso de descumprimento e determinou a derrubada de qualquer perfil que o candidato criasse para divulgar novamente a informação falsa. A meta obedeceu, e às 15h50 o perfil de Marçal estava fora do ar. Em seguida, Marçal usou outros perfis para continuar nas redes sociais, entre eles o @spmarcal.

LAUDO E STF

Duas horas antes, o advogado Alexandre Pacheco Martins, que representa Boulos, havia procurado o 89.º Distrito Policial para registrar uma queixa em razão da publicação do laudo. A delegacia requisitou ao IC o exame do documento. Uma força-tarefa concluiu que ele era falso em razão da assinatura divergente. O laudo foi divulgado no fim da tarde. De acordo com os peritos Nícia Harumi Koga, Marina Amaral Pais e Raphael Parisotto, uma simples "inspeção ocular" era suficiente pata atestar a falsidade.

Enquanto a Polícia Civil avançava na investigação, um outro desenrolar do caso acontecia em Brasília. Após a Polícia Federal constatar que Marçal havia usado o perfil verificado @pablomarcal para divulgar o falso laudo contra Boulos na plataforma X (antigo Twitter), o ministro determinou que o candidato prestasse, no prazo de 24 hortas, depoimento à PF. O ministro explicou em sua decisão que, segundo os investigadores, Marçal teria burlado decisão judicial para usar a plataforma e desferir ataques conta adversários. O X está suspenso no Brasil por decisão do STF.

"Ressalta-se que o uso sistemático deste perfil na data de hoje, bem como nos dias anteriores, se amolda à hipótese de monitoramento de casos extremados, em que usuários utilizam subterfúgios para acessar e publicar na plataforma X, de forma sistemática e indevida, com a finalidade de propagar desinformação em relação às eleições de 2024, com discurso de ódio e antidemocráticos, conforme manifestação da Procuradoria-Geral da República", escreveu Moraes.

TARCÍSIO

Por fim, o caso do laudo falso conseguiu unir os adversários de Marçal na condenação à farsa. O prefeito Ricardo Nunes afirmou: "Espero que a Justiça seja rápida, tanto a eleitoral quanto a criminal". Ao lado de Nunes, o governador Tarcísio de Freitas questionou: "Como vai assumir uma prefeitura, se vale-tudo para ganhar uma eleição?". Tarcísio defendeu que o comportamento de Marçal não condiz com a crença que prega.

"Inventar um documento falso nessa altura do campeonato, numa sexta-feira à noite, numa live, um documento que com muita facilidade todo mundo percebeu que era falso, é incompreensível o que está acontecendo. Isso causa indignação, e, infelizmente, a gente tem esse tipo de gente disputando uma eleição da principal cidade da América Latina."

A candidata do PSB, Tabata Amaral, também condenou a divulgação do laudo. "A demora dos meus adversários, por conveniência eleitoral, e a demora do tribunal de enxergar isso, é que nos trouxe até aqui. A gente não brinca com criminoso. Um cara que cometeu tantas irregularidades não devia ser nem candidatado." Por fim, foi a vez de Boulos condenar o ato. "A gente já tinha visto desespero. Ontem, um deles chegou ao limite de falsificar um documento."

INFLUENCIADOR AFIRMA NÃO VER 'DELITO' EM PUBLICAÇÃO

Durante agenda do último dia de campanha antes do primeiro turno das eleições, Pablo Marçal (PRTB) disse não ver "delito" na publicação de laudo falso na noite da última sexta-feira, em que acusa Guilherme Boulos (PSOL) de surto psicótico decorrente de uso de cocaína. Para o influenciador, a responsabilidade da contraprova é do candidato do PSOL.

"Não tem nenhum delito nisso. A contraprova é dele", afirmou Marçal durante entrevista à imprensa ontem.

Além disso, o candidato do PRTB também afirmou não ter medo de ser sua candidatura impugnada ou, caso eleito, de ser cassado. A resposta dele à pergunta sobre a possibilidade: "Zero".

Questionado se ele teria verificado a veracidade do laudo ao publicá-lo, respondeu: "Quem postou verificou".

Como mostrado pelo Estadão, há pelo menos nove evidências de falsificação do laudo divulgado por Marçal na reta final da disputa pela Prefeitura de São Paulo. Entre outros itens, o RG citado no documento não é o de Boulos e a assinatura do médico José Roberto de Souza - já morto - não corresponde à que ele usava em documentos oficiais. Além disso, o candidato do PSOL estava distribuindo cestas básicas numa comunidade da zona sul de São Paulo no dia da suposta internação, 19 de janeiro de 2021, como mostram posts reproduzidos na noite de ontem pelas suas redes sociais.

Em ato de campanha na véspera da votação, Marçal caminhou entre apoiadores

"Eu recebi e publiquei sobre o Boulos", declarou ele. O empresário voltou a acusar seu adversário de ser usuário de drogas durante o evento que chamou de "corrida pelo povo". O influenciador, além disso, disse como acha que o rival deve ser tratado. "(Boulos é) alguém que não merece um pingo de respeito. Usou dinheiro público para me destruir", declarou.

Como apurado pelo Estadão com advogados especializados em direito eleitoral, se a Justiça Eleitoral reconhecer como falso o laudo divulgado, Marçal pode ser cassado e ficar inelegível por 8 anos, além de pegar até 3 anos de prisão por crime contra a honra do rival.

CRIME ELEITORAL

Os especialistas veem o possível enquadramento de Marçal em graves crimes eleitorais, além de delitos tipificados no Código Penal.Até o fim da noite de ontem, Marçal não havia se manifestado sobre a determinação do ministro do Supremo Alexandre de Moraes de que em 24 horas justificasse o uso da rede social X (antigo Twitter) durante o período de proibição do seu acesso no País.D

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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