Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - Ao apresentar a defesa da presidente Dilma Rousseff à comissão da Câmara que analisa a abertura de pedido de impeachment, o advogado-geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, apontou “vícios profundos” na denúncia contra a chefe do Executivo e defendeu que a peça seja considerada nula por ferir a Constituição.
Cardozo, que falou por cerca de duas horas em uma exposição contundente, disse que a defesa de Dilma é “demolidora dos argumentos da denúncia”, negou que as supostas irregularidades nas contas apontadas pela acusação representam crime de responsabilidade e disse que, em um regime presidencialista como o brasileiro, não se pode destituir um presidente por questões políticas, mas em situações absolutamente excepcionais.
“É fato que o impeachment está na Constituição”, disse o ministro. “Se todos os pressupostos forem atendidos, a lei for atendida, por bem, o impeachment não será golpe.”
“Mas se esses pressupostos não forem atendidos, se não houver um atentado à Constituição (cometido pelo presidente da República), é golpe de Estado, sim”, afirmou.
Para o advogado-geral, se efetivado, o impeachment causará rompimento da estrutura institucional que trará problemas a quem quer que eventualmente assuma o poder após Dilma.
“Não falo do governo Temer”, disse o ministro a jornalistas. “Falo de qualquer governo que porventura nasça de uma ruptura constitucional. Pode ser do Temer, pode ser do (Eduardo) Cunha, pode ser de qualquer pessoa que esteja na linha sucessória. Não há governo que se sustente sem legitimidade em um Estado Democrático de Direito. Não há. É impossível.”
A argumentação do advogado-geral foi encarada por petistas como um “nocaute” aos fatos levantados pelo pedido de impedimento. A oposição, por sua vez, protestou contra a tese da defesa e levantou o coro de “Fora PT” assim que Cardozo encerrou sua fala, aplaudido por governistas.
Para a AGU, por inexistir a caracterização de crime de responsabilidade, pela falta de um ato ilícito que possa ser atribuído à presidente da República, e por não haver ato doloso em nenhuma das suas situações, o processo de impeachment equivaleria a “rasgar a Constituição Federal de 1988 se fosse acolhido”. O ministro não descarta partir para a via judicial, caso as nulidades que apontou no processo não sejam reconhecidas pelos deputados, mas se disse confiante em uma “mudança de convencimento” por ter apresentado argumentos muito “fortes”.
Cardozo disse aos membros da comissão que o processo está “viciado” pelo que chamou de “desvio de poder” que, na sua avaliação, foi praticado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao aceitar o pedido de abertura de impeachment por “vingança”, como “retaliação” à decisão de deputados do PT, partido de Dilma, de votarem pela abertura de um processo que pede sua cassação por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Câmara.
Cardozo criticou ainda a inclusão da delação premiada do senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS), no âmbito da Lava Jato, na documentação do pedido de impeachment com autorização de Cunha. O ministro aponta no ato do presidente da Câmara um “desvio de poder em continuidade”.
Outro ponto levantado pelo ministro diz respeito à decisão da comissão especial de ouvir, na semana passada, os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal, que assinam a denúncia contra Dilma ao lado do também jurista Hélio Bicudo. Para Cardozo a audiência constituiu “gravíssimo erro processual”, e implica em nulidade do processo.
Ele argumenta que se a denúncia exigia explicações, não era clara e não poderia portanto, ter sido aceita. Cardozo alegou ainda que a audiência com os juristas serviu para que eles tratassem de outros temas que não as supostas irregularidades nas contas apontadas pela peça acusatória. A mera menção a temas paralelos aos trechos da denúncia contra Dilma aceita por Cunha pode resultar, explicou Cardozo, na nulidade do processo.
Logo após a audiência com o advogado-geral, o presidente da comissão do impeachment, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), rebateu Cardozo e defendeu os trabalhos do colegiado, afirmando que eles se basearam na Constituição, no rito de impeachment estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e na legislação que trata do impeachment.
"BASTANTE FRACA"
Ao tratar do mérito da denúncia contra a presidente, Cardozo classificou a peça de “bastante fraca” e “passível de sofrer rejeição por inépcia”.
O ministro afirmou também que se recusava a tratar na comissão de quaisquer assuntos que não fossem as chamadas "pedaladas fiscais" ou os decretos de créditos suplementares, citados na denúncia, por entender que a análise da comissão deve se restringir aos temas que constam na peça.
Cardozo defendeu que as chamadas "pedaladas fiscais", o atraso no repasse pelo Tesouro a bancos públicos para o pagamento de programas do governo, não representam operação de crédito e, portanto, não são irregulares. Disse também que os decretos editados para a obtenção de crédito suplementar sem autorização do Congresso também foram regulares, pois não implicaram em aumento de gastos nem interferiram na meta fiscal.
Alegou, inclusive, que governos de outras esferas adotam o procedimento, e que uma aceitação da denúncia contra Dilma poderia desencadear uma série de impedimentos contra governadores.
O ministro argumentou que o Tribunal de Contas da União (TCU) só passou a considerar essas práticas irregulares no ano passado e que não se pode aplicar a Dilma uma “punição retroativa” por atos praticados antes de o TCU mudar sua jurisprudência.
O advogado-geral também argumentou que, ainda que esses atos fossem irregulares, um crime de responsabilidade só se configura em caso de dolo de um presidente, o que ele negou. Ele explicou que tanto as “pedaladas” quanto os decretos de créditos suplementares foram executados a partir de pareceres técnicos e jurídicos de funcionários de carreira do governo, baseados na jurisprudência vigentes à época.
Após a apresentação da defesa de Dilma, o relator do pedido de impeachment contra Dilma, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), deverá concluir seu parecer sobre a abertura de processo de impedimento e apresentá-lo até quinta-feira. A comissão tem de votá-lo até segunda da próxima semana.
Depois, segue ao plenário da Câmara, onde são necessários os votos de 342 deputados para ser aberto. Uma vez que a Câmara autorize a admissibilidade da denúncia, o pedido ainda precisa ser submetido a voto no Senado, que por maioria simples, decide se instaura ou não o processo. Se a decisão for pela instauração, Dilma é imediatamente afastada do cargo por 180 dias, até que o Senado a julgue.
(Reportagem adicional de Eduardo Simões)