Por Sérgio Spagnuolo e Pedro Fonseca
CURITIBA/RIO DE JANEIRO (Reuters) - A Polícia Federal lançou nesta sexta-feira uma operação para desarticular uma organização criminosa envolvendo fiscais agropecuários federais e cerca de 40 empresas, entre elas as gigantes JBS (SA:JBSS3) e BRF (SA:BRFS3), com fraudes na fiscalização sanitária de carnes, num escândalo que traz preocupação aos consumidores domésticos e ameaça o status do Brasil como grande exportador.
As investigações, que duraram dois anos, apontam para o pagamento de propina para a liberação de mercadorias sem fiscalização, além de indicarem a possibilidade de parte da propina gerada ter ido para partidos políticos. Segundo o delegado da PF Maurício Moscardi Grillo, uma fatia teria ido para o PP e o PMDB.
"Nós torcíamos para aparecer uma empresa correta (na operação). Mas não aconteceu", afirmou Grillo a jornalistas.
De acordo com a PF, as investigações da chamada operação Carne Fraca, a maior já realizada pelos policiais federais, apontaram que os fiscais recebiam propina para emitir certificados sanitários sem qualquer fiscalização efetiva. Um dos exemplos de fraude era o uso de substâncias capazes de ocultar odores de carnes estragadas que foram comercializadas.
As superintendências regionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento nos Estados do Paraná, Minas Gerais e Goiás atuavam diretamente para proteger grupos empresariais, acrescentou a polícia.
Segundo o delegado, foram presos nesta manhã dois executivos da BRF e um do Grupo JBS.
À tarde, o secretário-executivo do ministério, Eumar Novacki, disse que foram interditadas unidades da BRF de Mineiros (GO), com suspeitas sobre carne de aves, e da Peccin em Jaraguá do Sul (SC) e Curitiba, ambas com suspeitas sobre embutidos --mortadela e salsicha.
Novacki disse que a partir da semana que vem haverá uma força-tarefa para investigar quatro grandes grupos empresariais e 21 unidades do Serviço de Inspeção Federal (SIF), que estão sob fiscalização. Disse também que o ministro Blairo Maggi determinou o afastamento de 33 servidores envolvidos no escândalo.
O secretário reconheceu que o governo teme o impacto da operação no mercado internacional, mas tentou tranquilizar a população, dizendo que o "produto que chega na mesa dos brasileiros é de qualidade". Ainda assim, admitiu "riscos muito pequenos" por conta das fraudes.
Em comunicado, a JBS informou que "repudia veementemente qualquer adoção de práticas relacionadas à adulteração de produtos, seja na produção e/ou comercialização" e que não houve ação da PF na sede da companhia em São Paulo.
A BRF afirmou que cumpre normas e regulamentos sobre produção e venda de seus produtos e garantiu em comunicado à imprensa que "não há nenhum risco" para seus consumidores, seja no Brasil, ou nos 150 países em que atua.
As ações de JBS e BRF despencaram nesta sexta-feira e lideraram as perdas do Ibovespa. A JBS afundou 10,59 por cento, maior queda desde outubro de 2016. BRF desabou 7,25 por cento, pior desempenho desde fevereiro. Também do setor, Marfrig (SA:MRFG3) e Minerva (SA:BEEF3), caíram cerca de 2 por cento cada.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) procurou minimizar o escândalo, afirmando que falhas da indústria de carnes investigadas pela PF na operação Carne Fraca, se comprovadas, seriam "exceções em um modelo produtivo que é referência para o mundo".
Mas especialistas ouvidos pela Reuters veem um potencial impacto muito forte sobre a imagem das empresas e as exportações brasileiras.
"No segmento alimentar, confiança é algo que vem no inconsciente desde pequeno", disse o professor do curso de Publicidade e Propaganda da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Sérgio Silva, especializado em marcas.
"Se tem desconfiança tão grande com comida, e nessas marcas o problema aparentemente existe, imagina o resgate de confiança que isso não vai demandar", acrescentou.
O analista da Scot Consultoria especializado no mercado pecuário Alex Lopes da Silva classificou o escândalo como "horripilante".
"É uma denúncia bastante grave", disse Lopes da Silva. "Tem órgãos federais de fiscalização sendo corrompidos, isso abre muita possibilidade para o Brasil sofrer algum tipo de impacto... mancha todo um sistema que o Brasil está construindo há anos de que tem um processo de produto bem feito."
A operação contou com aproximadamente 1.100 policiais federais para o cumprimento de 309 mandados judiciais, sendo 27 de prisão preventiva, 11 de prisão temporária, 77 de condução coercitiva e 194 de busca e apreensão em endereços dos investigados e de empresas supostamente ligadas ao grupo criminoso.
Os mandados judiciais foram expedidas pela 14ª Vara da Justiça Federal de Curitiba e estão sendo cumpridos nos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás, além do DF.
POLÍTICA
As investigações da PF na operação também detectaram que parte da propina no esquema de corrupção descoberto teria ido para campanhas políticas. Segundo Grillo, não foi possível detectar para quais políticos, mas recursos teriam ido para o PMDB, partido do presidente Michel Temer, e para o PP.
Em nota, o PMDB informou que "desconhece o teor da investigação, mas não autoriza ninguém a falar em nome do partido".
O PP também foi sucinto em seu comunicado no final da tarde. "Em relação à operação deflagrada hoje pela Polícia Federal, o PP informa que desconhece o teor das denúncias. O partido apoia minuciosa investigação e o rápido esclarecimento dos fatos."
O atual ministro da Justiça, Osmar Serraglio, também foi identificado em ligações na operação, mas não foi apontado ato ilícito, afirmou o delegado da PF.
Em nota, Serraglio, que assumiu o ministério no início do mês, disse que "a conclusão tanto pelo Ministério Público Federal quanto pelo juiz federal é a de que não há qualquer indício de ilegalidade nessa conversa degravada".
(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu, em Brasília, e Roberto Samora, Alberto Alerigi Jr. e Paula Arend Laier, em São Paulo)