Por Tatiana Ramil
SÃO PAULO (Reuters) - Milhões de pessoas tomaram as ruas de capitais brasileiras e importantes cidades do interior neste domingo, de acordo com cálculos da polícia, para protestar contra o governo e pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em uma das maiores manifestações populares já registradas no país.
A magnitude das manifestações é considerada decisiva para a abertura de um processo de impeachment no Congresso contra a presidente Dilma, e coloca ainda mais pressão sobre o governo que vive uma grave crise política em meio a pior recessão econômica em décadas.
De acordo com dados do G1, portal da Globo, com base em dados das polícias estaduais, as manifestações reuniram 3 milhões de pessoas em todo o país.
A Polícia Militar de São Paulo calculou em 1,8 milhão de pessoas o número de manifestantes no Estado, sendo 1,4 milhão de pessoas apenas na região da Avenida Paulista.
O instituto Datafolha calculou que a manifestação na capital paulista foi a maior já registrada na cidade, superando ato pelas Diretas Já em 1984 --as maiores até então. O instituto apontou 500 mil pessoas na região da avenida Paulista.
"Estou aqui com minha mulher e meus filhos para mostrar que estamos indignados com o presente e precisamos fazer algo para o futuro dos nossos filhos e jovens", disse o comerciante Carlos Andrade, que participou das manifestações no Rio de Janeiro.
O Movimento Brasil Livre, que convocou os protestos, calculou em mais de 6 milhões de pessoas o número de manifestantes em todo o país.
"A presidente está sem base de apoio para governar, sem governabilidade alguma. Acredito que ela estará ainda mais enfraquecida após as manifestações deste domingo", disse à Reuters em São Paulo um dos líderes do MBL Fernando Holiday.
A presidente Dilma se reuniu no início da noite com seus principais auxiliares para fazer uma avaliação do movimento. Em nota, o Palácio do Planalto comentou apenas o caráter pacífico das manifestações, sem entrar no mérito dos protestos.
"A liberdade de manifestação é própria das democracias e por todos deve ser respeitada", disse o governo em nota.
"O caráter pacífico das manifestações ocorridas neste domingo demonstra a maturidade de um país que sabe conviver com opiniões divergentes e sabe garantir o respeito às suas leis e às instituições."
VERDE E AMARELO
Os manifestantes, vestidos em sua maioria nas cores verde a amarelo, carregavam bandeiras do Brasil, cartazes contra Dilma, contra a corrupção e em favor do juiz Sérgio Moro, que comanda as investigações da operação Lava Jato.
O senador Aécio Neves, candidato do PSDB derrotado por Dilma nas eleições de 2014, esteve de manhã no protesto em Belo Horizonte, e à tarde compareceu ao ato na capital paulista, sendo hostilizado junto com o governador Geraldo Alckmin (PSDB).
"Em paz, em harmonia, as famílias vieram para as ruas dizer que o Brasil merece algo melhor", afirmou ele na capital mineira. "Hoje, as pessoas estão nas ruas dizendo: chega, basta! Os caminhos são três colocados à nossa frente: o impeachment da presidente da República, a cassação da chapa pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ou a renúncia da presidente da República. Uma dessas três saídas permitirá ao Brasil voltar a sonhar com um futuro melhor."
No Rio, a concentração foi na praia de Copacabana, após uma madrugada de chuva na cidade, e reuniu cerca de 1 milhão de pessoas, segundo os organizadores -- a Polícia Militar não fez uma estimativa de participação na capital fluminense.
Alguns artistas se juntaram aos manifestantes, incluindo a atriz Suzana Vieira. "Chega disso. Ninguém aguenta mais. Viva o Brasil e o Sérgio Moro", declarou ela.
Durante a manifestação no Rio, um avião com a faixa “Não vai ter golpe!”, assinada pela Frente Brasil Popular, que reúne movimentos sociais e sindicatos, circulou por Copacabana.
Em Brasília, um grande boneco do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vestido de presidiário foi inflado na Esplanada dos Ministérios, enquanto manifestantes gritavam palavras de ordem contra o governo e a favor da operação Lava Jato. De acordo com a Polícia Militar, cerca de 100 mil pessoas participaram do ato na capital federal.
"Hoje é uma nova chance que o povo dá para a democracia porque perdeu a fé na democracia com tanta robalheira", disse o estudante de Direito Elias Souza, de 22 anos.
SEM VIOLÊNCIA
Em São Paulo, os manifestantes tomaram todo trajeto da Avenida Paulista, carregando cartazes e faixas contra a corrupção e o governo, além de bonecos com a figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e também da presidente Dilma vestidos de presidiários.
Em seu apartamento em São Bernardo do Campo (SP), Lula recebeu apoio de simpatizantes e foi abraçá-los.
Havia uma preocupação no Palácio do Planalto com possíveis confrontos entre grupos de manifestantes rivais, mesmo com o adiamento de atos pró-governo que estavam marcados também para este domingo.
Dilma, que descartou enfaticamente na sexta-feira a possibilidade de renunciar, fez um apelo pela pacificação. “A manifestação é um momento importante no país, de afirmação democrática. Por isso não deve ser manchada por nenhum ato de violência”, afirmou Dilma em entrevista coletiva.
Em Porto Alegre foram realizados protestos contra e a favor do governo, mas não foram registrados confrontos. Segundo a Brigada Militar gaúcha, o protesto contra o governo reuniu 100 mil pessoas.
Os protestos deste domingo ocorrem dias após o Ministério Público de São Paulo ter pedido a prisão preventiva do ex-presidente Lula no caso envolvendo um tríplex no Guarujá (SP), no qual é acusado de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, e também depois de o ex-presidente ter sido alvo de mandado de condução coercitiva da Polícia Federal no âmbito da operação Lava Jato.
Em nota, o juiz Sérgio Moro disse ter ficado "tocado pelo apoio" às investigações da Lava Jato. "Importante que as autoridades eleitas e os partidos ouçam a voz das ruas e igualmente se comprometam com o combate à corrupção", segundo mensagem enviada à jornalista Cristiana Lôbo, da GloboNews.
As ações contra Lula deram novo fôlego ao pedido de abertura de processo de impeachment contra Dilma, assim como a delação premiada do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) citando Lula e a presidente, que foi acusada pelo ex-líder do governo no Senado de tentar interferir na Lava Jato.
O próprio governo avaliou que o risco de aprovação de um processo de impeachment cresceu nas últimas três semanas, desde o vazamento de parte da delação de Delcídio, de acordo com uma fonte do Palácio do Planalto ouvida pela Reuters.
(Reportagem adicional de Daniel Flynn e Cesar Bianconi, em São Paulo; Pedro Fonseca e Rodrigo Viga Gaier, no Rio de Janeiro; Anthony Boadle e Alonso Soto, em Brasília; Edição de Raquel Stenzel)