Por Maria Carolina Marcello e Leonardo Goy
BRASÍLIA (Reuters) - Senadores discursavam na tarde desta terça-feira, travando o embate político que deve se estender até a madrugada com argumentos contrários e favoráveis ao impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, mas a votação final sobre o futuro da petista deve ocorrer apenas na quarta-feira.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que conduz o processo, já avisou antes de interromper a sessão para um intervalo no fim da tarde, que deve estender os debates até as 2h30, para retomar o julgamento na manhã da quarta-feira e iniciar a votação, fase decisiva do juízo.
"A nossa previsão, tendo em conta o número de inscritos, é que terminaremos às 2h30 da manhã", disse Lewandowski.
"No dia seguinte, iniciaremos no horário que acertaremos de comum acordo."
Até lá, senadores irão cumprir a atual fase do julgamento - a de debates- em clima relativamente calmo, se comparado aos últimos dias no Senado.
Mais de 20 parlamentares já subiram à tribuna, a maior parte favorável ao impedimento de Dilma. Segundo a discursar, o relator do processo na comissão especial do Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG), afirmou que a edição dos decretos de crédito suplementares, um dos pilares da acusação de crime de responsabilidade no processo de impeachment, violou a lei orçamentária, porque não havia compatibilidade com a meta fiscal à época. Para Anastasia, também fica comprovada a autoria de Dilma, porque "lá está sua assinatura".
Sobre as "pedaladas", argumentou, não foram condenadas em gestões presidenciais passadas "porque ninguém sabia" do passivo. As manobras fiscais que incluíam o atraso nos repasses do Tesouro ao Banco do Brasil (SA:BBAS3) referentes ao Plano Safra constituem o segundo ponto da denúncia contra Dilma no processo do impeachment.
O relator apontou ainda o que considerou um paradoxo da peça de defesa entregue à comissão especial do impeachment, que sustenta que não havia prazo para os pagamentos relativos ao Plano Safra. Depois, segundo o senador, a defesa argumenta que houve apenas um "atraso".
"Como é possível haver atraso se não há prazo para pagamento?", questionou Anastasia.
Já o vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), assumiu a tribuna em seguida para elogiar o depoimento de Dilma, na véspera, quando ela passou mais de 12 horas respondendo a questionamentos. Para o senador, a presidente estava "preparada", e demonstrou seus argumentos detalhadamente.
"Se aquele dito popular valer, de que contra fatos não há argumentos, a presidente Dilma tem que ser inocentada amanhã", disse Viana, referindo-se ao julgamento final em que senadores decidirão se condenam a petista por crime de responsabilidade.
O senador Acir Gurgacz (PDT-RO), que foi o relator das contas de 2014 do governo Dilma na Comissão Mista de Orçamento (CMO), não declarou seu voto. Teceu críticas tanto à gestão da petista quanto à do presidente interino Michel Temer, mas não deu indicações claras de como irá se portar na quarta-feira.
"Os empréstimos dos bancos públicos e a edição de créditos suplementares, alternativas contábeis usadas pelo governo para fechar as contas de 2015, que são as questões que fundamentam este processo, são importantes e deveriam ser a base desse julgamento, mas se tornaram secundárias, na medida em que o processo se tornou mais político que jurídico", disse Gurgacz.
Outro que não declarou explicitamente como irá votar foi o senador Fernando Collor (PTC-AL), que teve o mandato de presidente da República interrompido por um impeachment em 1992. Ele subiu à tribuna para afirmar que o processo de impedimento de Dilma é diferente daquele de que foi alvo.
"Hoje a situação é completamente diversa. Além de infração às normas orçamentárias e fiscais com textual previsão na Constituição como crime de responsabilidade, o governo afastado transformou sua gestão numa tragédia anunciada. É o desfecho típico de governo que faz da cegueira econômica o seu calvário, e da surdez política, o seu cadafalso", disse o ex-presidente.
Segundo integrantes da base do governo interino de Michel Temer, não há orientação, por ora, para que abram mão da fala, o que aceleraria o trâmite.
Diante da expectativa de uma longa fase de debates, já que cada senador tem 10 minutos para discursar, a votação final do impeachment está prevista para quarta-feira. [nL1N1BB0J5]
Para Dilma ser condenada são necessários dois terços dos votos, ou 54 senadores. Governistas calculam ter entre 58 e 61 votos, enquanto aliados da presidente alimentam a esperança conseguir mais 7 votos além dos 21 que contabilizam.
Em caso de condenação, Dilma perde o mandato e tem seus direitos políticos suspensos por oito anos. Temer assume a Presidência e completa o tempo restante do mandato, até 31 de dezembro de 2018.
Afastada desde maio, a petista é acusada de crime de responsabilidade por atrasos de repasses do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil no âmbito do Plano Safra e pela edição de decretos com créditos suplementares sem autorização do Congresso.
A defesa da presidente tem reiterado que os repasses não constituem operação de crédito, o que seria vedado pela legislação, e que não há ato doloso da presidente que configure um crime de responsabilidade.