Por Marcela Ayres e Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - Apesar de o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) ter desembarcado em Brasília nesta semana reforçando abertamente a vontade de ver pelo menos parte da reforma da Previdência aprovada neste ano, a possibilidade é encarada nos bastidores com bastante ceticismo por parlamentares e membros da atual equipe econômica.
O próprio Bolsonaro indicou nesta quarta-feira que não deve insistir em nenhuma mudança que exija mudança na Constituição. Com isso, limou do horizonte alterações que teriam mais impacto sobre as contas públicas mas que, para ser aprovadas, demandam o apoio de mais de três quintos dos parlamentares.
"O que vale não é o que eu quero, é o que pode passar pela Câmara e pelo Senado. Vão ser colocados na mesa os projetos ... nenhum será emenda constitucional, e vamos decidir o que pode ser aprovado", afirmou Bolsonaro.
"Ninguém mais do que o parlamentar para ter esse sentimento, mas não podemos esquecer que tem metade de Câmara que não foi reeleita", acrescentou.
Entre as mudanças que demandam mudança na Constituição, estão o aumento da idade mínima -- ponto que Bolsonaro havia dito antes que seria importante assegurar ainda em 2018 --, o valor dos benefícios para servidores que entraram no serviço público até 2013, alterações na aposentadoria rural e referentes aos Benefícios de Prestação Continuada (BPC).
Por projeto de lei, é possível mudar, por exemplo, as regras para pensões por morte, o valor dos benefícios e a carência da aposentadoria por idade para trabalhadores do Regime Geral de Previdência Social, da iniciativa privada.
PERCALÇOS LEGISLATIVOS
O líder do governo na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), avaliou nesta quarta-feira que a reforma da Previdência "é um tema que tem uma complexidade muito maior", quando questionado sobre a viabilidade do texto passar antes da posse de Bolsonaro em janeiro.
Ele cita, por exemplo, que a intervenção federal na área de segurança pública do Rio de Janeiro é um dos obstáculos para a votação da proposta, e lembra que o tema em si ainda exige discussão --durante períodos de intervenção federal em um Estado, o Congresso não pode alterar a Constituição.
"Também não sabemos ainda o que o governo eleito efetivamente tem como disposição”, pontuou.
As declarações do líder do governo seguem o tom adotado por boa parte dos parlamentares, que não nutrem simpatia pela retomada da votação da reforma neste ano.
Até mesmo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defensor da reforma desde o início, reconhece que, por ora, não há condições para sua aprovação, evitando fixar um prazo para sua deliberação -- o que seria “precipitado”.
Na véspera, o futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, afirmou que caso a reforma da Previdência de Temer não seja aprovada neste ano caberá a Bolsonaro trabalhar com uma "nova reforma" no ano que vem.
O desejo de Guedes é que algumas mudanças sobre o regime atual, de repartição, já sejam chanceladas, o que retiraria uma "nuvem negra" sobre o próximo governo e permitiria que a equipe econômica estudasse por um ano a proposta de introdução do regime de capitalização, que ele vê como mais sustentável.
Por isso, Guedes vem fazendo uma enfática defesa da aprovação do texto que já está em tramitação. Ao mesmo tempo, também já reconheceu que o ônus da tarefa recairá principalmente sobre o atual Congresso.
Ecoando a percepção de que a tarefa não será simples, uma fonte da equipe econômica ouvida pela Reuters afirmou que a proposta pode esbarrar na falta de apoio de deputados e senadores que não foram reeleitos e que se engajavam mais na pauta fiscal.
"Baixa probabilidade (de aprovação neste ano). Não porque Guedes não quer, mas porque o Congresso não vai topar. A liderança com quem contávamos não foi reeleita", disse a fonte, citando o senador Romero Jucá (PMDB-RR) e os deputados Darcísio Perondi (MDB-RS) e Pauderney Avelino (DEM-AM) como exemplos.
Uma segunda fonte da equipe econômica avaliou que embora a ideia de aprovar esta reforma agora seja interessante, abrindo espaço para novas e mais profundas alterações à frente, a realidade política é outra.
"Mesmo sendo bem otimista quanto aos prazos internos do Congresso, ou seja, mesmo com o Congresso apoiando muito -- o que não parece ser o caso -- acho que não dá para aprovar", disse.