O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou nesta quarta-feira, 14, que a Receita Federal, em conjunto com a Casa da Moeda, reative o Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe), suspenso desde 2016. Na prática, a decisão ressuscita um contrato de R$ 1,4 bilhão por ano, feito sem licitação, com a Sicpa (atualmente chamada de Ceptis no Brasil), empresa suíça que confessou pagamento de propina e enriquecimento ilícito durante a elaboração desse mesmo contrato, conforme revelou o Estadão. A própria Receita Federal é contra a reativação do sistema. Já a Casa da Moeda fez lobby para resgatar o acordo.
O Sicobe tem como objetivo o controle e o rastreio da produção de bebidas no País. O sistema começou a valer em 2009, mas foi suspenso sete anos depois, em 2016, por determinação da Receita Federal. A decisão ocorreu na esteira de operações da Polícia Federal (PF) que apontaram pagamentos de propinas na ordem de US$ 15 milhões e direcionamento do contrato com a empresa suíça.
Cinco ministros do TCU votaram a favor da reativação do Sicobe. O relator Vital do Rêgo foi acompanhado pelos ministros Jhonatan de Jesus, Antônio Anastasia, Jorge Oliveira e Augusto Nardes. Do outro lado da discussão, estavam os ministros Benjamin Ziller, Walton Alencar e Marcos Bemquerer Costa.
Em seu voto, Vital do Rego pontuou que a suspensão do contrato por meio de um ato declaratório extraordinário da Receita Federal foi ilegal. Além disso, alegou que o País estaria perdendo receitas tributárias com a suspensão do Sicobe.
"Primeiramente, nunca é demais recordar que nosso ordenamento jurídico não admite que uma irregularidade seja combatida com outra irregularidade (um dos consectários lógicos do princípio da legalidade)", escreveu Vital do Rego. Com a aprovação do acórdão, a Receita Federal e a Casa da Moeda terão 60 dias para reativar o sistema.
Por sua vez, o ministro Benjamin Zimler, apontou que o contrato não era eficiente e resgatou as investigações da Polícia Federal contra a Sicpa.
"Ficou evidenciado nestes autos que o custo elevado e desproporcional do Sicobe representou uma afronta ao princípio constitucional da eficiência da Administração Pública, uma vez que subtraía dos cofres públicos a cifra de R$ 1,4 bilhão, equivalente a 15% da arrecadação do setor de bebidas", contrapôs Zymler.
De acordo com investigações da Polícia Federal, um então representante da Sicpa no Brasil, o empresário Charles Finkel, pagou US$ 15 milhões em subornos a um auditor da Receita Federal, que, em contrapartida, teria direcionado o contrato do Sicobe para a empresa suíça. As propinas teriam sido pagas por meio de uma empresa de consultoria do executivo. Em 2019, eles foram condenados em primeira instância a mais de 10 anos de prisão.
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), no entanto, reformou a sentença para absolvê-los sob o entendimento de que, durante a investigação, ocorreram uma série de irregularidades e excessos, como a quebra do sigilo fiscal dos suspeitos sem autorização judicial e o aproveitamento de depoimento colhido em processo conexo sem a participação da defesa. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a absolvição em setembro de 2023.
Em meio às investigações, a Sicpa e a Ceptis assinaram, em 7 de junho de 2021, um acordo de leniência com o governo brasileiro. Segundo a CGU, a empresa suíça confirmou, por meio de investigações internas, as irregularidades relacionadas às operações da PF. No documento, as empresas são taxativas ao reconhecerem e admitirem a participação nos atos ilícitos.
O valor total do acordo é de R$ 762,7 milhões, relativos às multas da Lei Anticorrupção e da Lei de Improbidade Administrativa, a pagamento de vantagens indevidas e a enriquecimento ilícito.