Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - Ainda tenso, o ambiente político precisará de tempo para se acalmar, desde que não haja mais nenhum sobressalto na relação entre o Executivo e o Legislativo e que o governo se empenhe para melhorar a articulação, avaliam parlamentares.
Personificada nos presidentes da República, Jair Bolsonaro, e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que vêm trocando farpas publicamente nos últimos dias, a crise política teve novos capítulos nesta quarta-feira, respinga no Senado e pode comprometer o andamento da reforma da Previdência, além de dar margem para a aprovação de matérias desfavoráveis ao governo.
Na avaliação de uma importante liderança no Congresso, a poeira ainda deve levar dez dias, ou duas semanas, para baixar de verdade, desde que o governo ocupe o vácuo deixado na articulação. Essa seria, inclusive, a percepção da Casa Civil. Para essa fonte, e também segundo outro parlamentar ouvido, não estão descartadas uma ou outra retaliação, até que o clima se acalme.
Um deles cita como possibilidade a votação de matéria relacionada à Lei Kandir. Para esse parlamentar, aliás, a aprovação de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) na véspera tornando obrigatória a execução de emendas coletivas no Orçamento da União, tratou-se de um recado e não exatamente de uma retaliação.
Outra fonte relata que aproveitou-se a oportunidade para se passar o recado que há muito incomodava os parlamentares: uma vez impositivas, as emendas deixam de alimentar o discurso de que fariam parte de um esquema de “toma lá, dá cá”.
Essa liderança relata ainda que o desejo dos deputados era o de cancelar o decreto presidencial que dispensa a necessidade de visto para turistas dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão. O presidente da Câmara, no entanto, teria barrado a ideia.
Ainda de acordo com esse parlamentar, o clima no Senado não é muito diferente --a Casa deve votar a PEC sobre as emendas impositivas na próxima semana.
Para ele, o ambiente melhora, se o governo ajudar e parar de “empurrar” toda a responsabilidade --e o ônus-- da reforma da Previdência para o Congresso. Segundo ele, Maia, até então o principal articulador da reforma, vai atuar no limite de suas atribuições: indicando um relator que o governo designar e comprometendo-se a pautar a matéria apenas quando ela contar com votos suficientes para ser aprovada. Nada além disso.
Outra liderança sinaliza que podem ser adotadas, ainda como demonstração da insatisfação do Congresso, instrumentos que limitariam a edição de medidas provisórias pelo Poder Executivo.
Outro parlamentar que conhece o funcionamento da Casa é mais otimista, considera que não haverá a chamada “pauta-bomba” e que a situação irá voltar à normalidade, desde que o governo não crie uma nova polêmica.
A solução, avalia uma das fontes, para o governo, será intensificar suas conversas, deixar de lado o discurso eleitoral sobre a “velha política”, dar prestígio aos deputados, e sim, em alguns casos, verificar qual a demanda dos parlamentares relacionadas a cargos e emendas. Caberá ao governo calcular o custo-benefício disso.
MORDE E ASSOPRA
Um dos parlamentares consultados pela Reuters avalia que, como em uma briga de criança, na crise política todos já tiveram a chance de bater e todos já apanharam. Cada um ganhou seu round e seria a hora de virar a página.
E era essa a expectativa até a entrevista, no início da tarde desta quarta, de Bolsonaro à TV Bandeirantes. Na ocasião, o presidente da República cobrou responsabilidade de Maia e disse que ele está "abalado por questões pessoais", possível referência a Moreira Franco, padrasto da mulher do presidente da Câmara preso na semana passada e posteriormente solto.
Na mesma entrevista, Bolsonaro afirmou que da parte dele não existe briga com ninguém.
Em resposta, o presidente da Câmara afirmou que “abalados estão os brasileiros, que estão esperando desde o 1º de janeiro que o governo comece a funcionar” enquanto Bolsonaro “brinca” de presidir o Brasil.
Na mesma entrevista, no entanto, o presidente da Câmara fez um afago ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, figura que na semana passada foi alvo de críticas duras de Maia por indentificar interferências do membro do Executivo no Congresso.
Ao comentar convocação do ministro em comissão sobre legislação participativa da Casa, Maia disse que sua tendência é revertê-la por considerar que essa não seria a prerrogativa do órgão colegiado.
Também deixou claro que o ministro --a quem em um momento de irritação referiu-se como um “funcionário” de Bolsonaro-- tem comparecido a audiências no Congresso, razão que excluiria a necessidade de uma convocação.
Em outro movimento, mais cedo, Maia deu seu aval à senadora Eliziane Gama (PPS-MA), a apresentar no Senado texto idêntico ao entregue por Moro à Câmara. Dessa forma, os senadores poderiam dar andamento ao projeto enquanto os deputados se dedicam à reforma da Previdência.
O presidente da Câmara havia suspendido, na semana passada, a tramitação de propostas do pacote anticrime elaborado pelo ministro, para que um grupo de trabalho pudesse analisar a medida com projetos correlatos que já tramitam na Câmara.
Já à noite, Bolsonaro disse “lamentar” as declarações de Maia e mostrou-se irritado com as palavras escolhidas pelo presidente da Câmara.
“Brincar?”, questionou. “Não existe brincadeira da minha parte, muito pelo contrário. Lamento as palavras neste sentido. Até não quero acreditar que ele tenha falado isso.”
Em resposta, logo após encerrar a sessão da Câmara, Maia disse que não responderia mais às “críticas” e às “agressões” do presidente e de aliados. Também fez um apelo a Bolsonaro e seu entorno para que parem com os ataques.
“Eu prometo que eu vou deixar o presidente começar a trabalhar. Então daqui para frente eu não respondo mais nenhuma gracinha, nenhuma insinuação, nada, porque a gente precisa que ele trabalhe”, disse Maia a jornalistas ao deixar a Câmara.
“Vamos governar, eu governar a Câmara e ele o país.”