Por Maria Carolina Marcello e Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) fui utilizada de forma ilegal pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados para monitorar políticos, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e outras autoridades, além de ter sido usada para tentar interferir em investigação envolvendo um dos filhos do então chefe do Executivo, de acordo com investigação da Polícia Federal.
Segundo comunicado da PF, que deflagrou operação nesta quinta-feira para cumprir cinco mandados de prisão preventiva e sete mandados de busca e apreensão no caso, foi instalada na Abin uma "organização criminosa voltada ao monitoramento ilegal de autoridades públicas e à produção de notícias falsas".
A operação foi autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.
Segundo a decisão de Moraes, vista pela Reuters, a estrutura da Abin teria sido usada para interferir nas investigações relacionadas ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, por suspeita de envolvimento na chamada "rachadinha" -- como ficou conhecido caso de desvio de parte dos salários dos funcionários de gabinetes de deputados da Assembleia Legislativa fluminense.
Auditores da Receita Federal responsáveis pelo relatório de inteligência fiscal que deu origem à investigação foram alvo do monitoramento ilegal com o objetivo de se "encontrar podres" sobre eles de forma a prejudicar a investigação contra Flávio Bolsonaro, segundo a investigação da PF mencionada por Moraes em sua decisão.
A suspeita da PF é corroborada por um áudio de pouco mais de uma hora de duração -- supostamente gravado pelo ex-chefe da Abin, Alexandre Ramagem, hoje deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro -- de reunião com Bolsonaro e o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e possivelmente a advogada de Flávio.
"O áudio transcrito apresenta metadados do dia 25/08/2020. Neste áudio é possível identificar a atuação do del. Alexandre Ramagem indicando, em suma, que seria necessário a instauração de procedimento administrativo contra os auditores da receita com o objetivo de anular a investigação, bem como retirar alguns auditores de seus respectivos cargos", relata a PF, segundo a decisão de Moraes.
Em nota, o senador Flávio Bolsonaro negou qualquer relação com a Abin e acusou a divulgação de detalhes da investigação de ter caráter eleitoral. “A divulgação desse tipo de documento, às vésperas das eleições, apenas tem o objetivo de prejudicar a candidatura de Alexandre Ramagem à prefeitura do Rio de Janeiro”, disse o filho do ex-presidente na nota.
Procurados, o gabinete de Ramagem e a assessoria de Jair Bolsonaro não forneceram comentários de imediato.
MINISTROS E PARLAMENTARES
Segundo nota publicada na página do STF, foram constatados "elementos concretos" de que a organização atuava na elaboração de dossiês contra ministros, parlamentares e outros na intenção de divulgar falsas narrativas, promover o enfraquecimento das instituições e incitar, de forma direta ou indireta, a tentativa de um golpe de Estado.
Moraes afirmou em sua decisão que "os investigados, segundo a Polícia Federal, participaram de uma estrutura espúria infiltrada na Abin voltada para a obtenção de toda a ordem de vantagens para o núcleo político, produzindo desinformação para atacar adversários e instituições que, por sua vez, era difundida por intermédio de vetores de propagação materializados em perfis e grupos controlados por servidores em exercício na Abin".
"O Relatório da Polícia Federal traz prova da materialidade e indícios suficientes dos graves delitos praticados", acrescentou Moras, de acordo com nota no site do Supremo.
Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), a organização pretendia atacar o sistema republicano. "As ações do grupo criminoso não se esgotam em um único inquérito, sendo importante o compartilhamento de provas para o melhor enquadramento das condutas praticadas", disse a PGR, segundo o site do STF.
Entre os membros do Judiciário ilegalmente monitorados estão o ministro Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. O atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o ex-presidente da Casa, Rodrigo Maia (PSDB-RJ), também eram observados pela estrutura criada na agência, além dos deputados federais Kim Kataguiri (União-SP) e Joice Hasselmann (PSDB-SP), e dos senadores Alessandro Vieira (MDB-SE), Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), os três últimos ocupantes de postos-chave na CPI da Covid, no Senado.
O grupo também tinha como alvos o ex-governador de São Paulo João Doria, servidores do Ibama, e auditores da Receita Federal do Brasil, além de jornalistas de renome no país.