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Brasil mantém tom ameno com a Venezuela desde as eleições

Publicado 14.09.2024, 10:24
Brasil mantém tom ameno com a Venezuela desde as eleições

Apesar de não ter reconhecido a vitória de Nicolás Maduro (Partido Socialista Unido da Venezuela, esquerda) nas eleições presidenciais da Venezuela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu governo adotam cautela e um tom ameno e leniente em relação à confiabilidade do pleito realizado em 28 de julho.

Diferente de outros países da América Latina e do mundo, como Argentina, Uruguai, Equador e EUA, o petista também não diz que o candidato da oposição Edmundo González Urrutia (Plataforma Unitária Democrática, centro-direita) venceu as eleições presidenciais.

O Poder360 destacou algumas das declarações do governo brasileiro sobre as eleições na Venezuela. Leia abaixo:

Segundo declarações do presidente e notas divulgadas pelo Itamaraty, o Brasil buscar resolver a questão de maneira pacífica, “com base no diálogo entre as principais forças políticas venezuelanas”. A atitude adotada até o momento é de cautela.

No entanto, a atual situação na Venezuela, caracterizada por manifestações de parte da população, prisão de opositores e, mais recentemente, a fuga de González para a Espanha, pede medidas mais duras.

Em 8 de setembro, Lula convocou uma reunião com assessores do Ministério das Relações Exteriores para discutir a questão. O encontro também abordou a desautorização do governo Maduro da custódia brasileira sobre a embaixada da Argentina em Caracas.

Segundo apurou o Poder360, o governo ficou irritado com a decisão sobre a representação diplomática argentina. Mas mantém o posicionamento de não cortar relações com a Venezuela e continuar com as tentativas de negociação, embora Lula tenha falhado em se qualificar como interlocutor para promover a volta da democracia na Venezuela depois das eleições de 28 de julho.

Desde que foi eleito para o seu 3º mandato, Lula reatou os laços do Brasil com a Venezuela, rompidos durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Mas a relação sofreu desgastes antes mesmo das eleições venezuelanas de 28 de julho.

Um dos acontecimentos que fez o laço entre os presidentes estremecer foi quando Maduro disse, em 17 de julho, que a Venezuela poderia acabar em um “banho de sangue” se ele perdesse o pleito.

Dois dias depois, em 19 de julho, Lula chegou a declarar que não tinha razões para “brigar” com a Venezuela. Mas em 22 de julho, o presidente afirmou ter ficado assustado com a declaração do líder venezuelano.

Também disse que Maduro precisava respeitar o processo democrático. Em resposta, o chavista afirmou, sem citar Lula, que quem tinha se assustado com a sua declaração sobre “banho de sangue” deveria tomar “um chá de camomila”.

Depois, em 23 de julho, o presidente venezuelano criticou o processo eleitoral brasileiro, dizendo que o país não audita urnas sem apresentar provas. No Brasil, as eleições são totalmente auditáveis. As etapas do processo eleitoral são acompanhadas por organizações e partidos políticos.

O episódio fez o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) desistir de enviar observadores para acompanhar as eleições presidenciais venezuelanas.

Já o governo evitou responder a Maduro, embora o episódio tenha causado irritação na cúpula do Executivo brasileiro, já que a credibilidade do sistema é questionada por Bolsonaro.

Na época, o Itamaraty minimizou a declaração de Maduro sobre as urnas, avaliando-a como um discurso para o eleitorado do presidente venezuelano. Também considerou que Lula já tinha se posicionado sobre o caso ao cobrar respeito aos resultados das eleições brasileiras e que não valia, naquele momento, entrar em um embate retórico.

O Brasil manteve a ida do assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, à Venezuela para acompanhar as eleições. Antes do pleito, o diplomata se reuniu com representantes do governo de Maduro e de Edmundo González.

Depois que o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) da Venezuela anunciou a vitória de Maduro, mas sem divulgar as atas eleitorais, Amorim e o Itamaraty adotaram uma atitude cautelosa. Lula seguiu a mesma linha. A fim de se qualificar como um interlocutor para promover a democracia no país vizinho, não fez críticas duras sobre as suspeitas de fraude na eleição.

Em 29 de julho, o assessor especial disse em nota enviada ao Poder360 que o governo brasileiro continuava “acompanhando o dos acontecimentos para poder chegar a uma avaliação baseada em fatos”. Afirmou que “como em toda eleição, tem que haver transparência, o CNE ficou de fornecer as atas que embasam o resultado anunciado”.

Amorim declarou ainda que não endossaria nenhuma narrativa de fraude. “É uma situação complexa e nós queremos apoiar a normalização do processo político venezuelano”, afirmou.

O Itamaraty também publicou uma nota à época. No documento, saudou o “caráter pacífico” da eleição venezuelana e reafirmou o “principio fundamental da soberania popular a ser observado por meio da verificação imparcial dos resultados”.

Disse ainda que a publicação pelo CNE dos dados de votação era um “passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”. Eis a íntegra (PDF – 93 kB).

Em 30 de julho, Lula disse que não havia “nada de grave” e “de anormal” no processo eleitoral do país vizinho, apesar de a oposição venezuelana questionar o resultado e alegar fraude.

“Tem um processo. Não tem nada de grave, não tem nada de assustador. Eu vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a 3ª Guerra Mundial. Não tem nada de anormal. Teve uma eleição, teve uma pessoa que disse que teve 51%, teve uma pessoa que disse que teve 40 e pouco por cento. Um concorda, o outro não. Entra na Justiça e a Justiça faz”, afirmou em entrevista exclusiva a jornalista Eunice Ramos, da afiliada da TV Globo no Mato Grosso.

A divulgação dos documentos se tornou uma das principais questões relacionadas a confirmação da legitimidade do resultado do pleito. O governo brasileiro, inclusive, foca nessa questão ao exigir a publicação completa das atas para reconhecer a vitória de Maduro ou a de González. Lula fez isso em:

  • 30.jul.2024: durante conversa por telefone com o presidente dos EUA, Joe Biden, sobre a situação na Venezuela;
  • 1º.ago.2024: em nota conjunta (íntegra – PDF – 55 kB) com os governo do México e da Colômbia. Mas, na prática, o documento foi sobretudo para oposição, que, majoritariamente, foi às ruas cobrar dados detalhados sobre a apuração, sugerindo que houve fraude. Isso porque, na nota, Brasil, México e Colômbia pediram “contenção” e “cautela” de todos os “atores políticos e sociais” para evitar uma escalada de violência na Venezuela. Os países também não fizeram uma cobrança ostensiva sobre as incongruências vistas no processo eleitoral. Maduro classificou o comunicado como “muito bom”;
  • 5.ago.2024: em visita de Estado ao Chile. Na ocasião, Lula defendeu a transparência dos resultados das eleições venezuelanas, mas não mencionou morte, prisões de opositores e a resistência do governo de Maduro em divulgar as atas eleitorais. O presidente havia prometido falar sobre o cenário da Venezuela, mas, no fim da viagem, evitou responder jornalistas sobre o tema a pedido do governo chileno.
  • 30.ago.2024: à época, Lula cobrou “provas” do resultado para aceitar a vitória de Maduro ou da oposição.

Na Venezuela, as atas são enviadas eletronicamente ao CNE, uma transmissão feita por meio de uma rede criptografada e não pela internet.

Além disso, cópias do documento, impressas pelas urnas, são entregues aos representantes de cada partido venezuelano que estejam no local da votação. Diferentemente do Brasil, a ata não é fixada na porta ou num quadro de avisos no recinto da votação para dar publicidade mais facilitada ao resultado. Mas os partidos políticos podem divulgar livremente esses boletins de urna.

Foram essas cópias que a oposição venezuelana juntou e usa para declarar que Maduro perdeu as eleições. Estudo realizados por pesquisadores e organizações, como o especialista em detecção de fraude eleitoral e professor da Universidade de Michigan (EUA) Walter Mebane e a MOE (Missão de Observação Eleitoral), atestaram a veracidade das atas eleitorais divulgadas pela oposição. Suas análises também confirmaram a vitória de González no pleito.

No entanto, em 7º de agosto, Celso Amorim disse não confiar nos documentos da oposição. Em entrevista à GloboNews na época, declarou preferir aguardar a divulgação do resultado oficial antes de se pronunciar. No mesmo dia (7.ago), a líder da oposição María Corina Machado afirmou estar disposta a entregar as atas eleitorais ao governo brasileiro para comprovar a vitória de González.

O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela entregou os boletins de urnas ao TSJ (Tribunal Supremo de Justiça) do país em agosto. Ambos são alinhados ao governo de Maduro. Em 22 de agosto, o TSJ decidiu que as atas das eleições de 28 de julho não seriam divulgadas.

ARTICULAÇÃO DE LULA

Lula busca não cortar o relacionamento com Maduro. Embora tenha ignorado o líder venezuelano algumas vezes ao não atender pedidos de conversas do chavista, afirmado que não reconhece sua vitória e declarado que a Venezuela vive em um “regime muito desagradável” e tem um “governo com viés autoritário”, o petista evita classificar o chavista como um ditador.

Em 8 de agosto, disse em reunião ministerial que queria discutir com os ministros uma “solução pacífica” para a questão. O presidente também avaliou sugerir a realização de uma nova eleição presidencial na Venezuela para resolver o impasse sobre o resultado. A ideia foi levada ao petista por Celso Amorim em caráter informal. Maduro rejeitou a sugestão antes de ela ter a chance de ser formalizada.

Em relação ao diálogo com outros países sobre o cenário venezuelano, Lula pareceu priorizar, inicialmente, conversas com México e Colômbia. Antes de a Justiça da Venezuela confirmar que não divulgaria as atas eleitorais em 22 de agosto, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, reuniu-se virtualmente com os chanceleres dos países latino-americanos em 7 de agosto.

Segundo nota publicada (íntegra – PDF – 68 kB) pelo Itamaraty, os ministros voltaram a pedir a divulgação das atas eleitorais, afirmando que “partem da premissa de que o CNE é o órgão a que corresponde, por mandato legal, a divulgação transparente dos resultados eleitorais”.

Também reiteraram o pedido de “cautela” e “moderação” da oposição e de “todos os atores políticos e sociais” para evitar uma escalada de violência na Venezuela.

Em 14 de agosto, Lula conversou com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro (Colômbia Humana, esquerda), para tentar encontrar uma saída política para a questão venezuelana. Não deu detalhes sobre o diálogo.

Assim como o Brasil e diferente de outros países da América Latina, os governos da Colômbia e México adotam uma atitude cautelosa em relação às alegações de fraude eleitoral na Venezuela, algo que pode ser considerado uma sinalização de condescendência a Maduro.

Em comparação com outros líderes internacionais que se manifestaram quase que imediatamente, Petro demorou cerca de 2 dias para falar sobre as eleições venezuelanas depois que o CNE anunciou a vitória de Maduro.

Em 31 de julho, pediu que o governo do chavista permitisse que o pleito terminasse em “paz”, possibilitando “uma contagem de votos transparente, com a contagem de votos e atas, e com a supervisão de todas as forças políticas em seu país e observadores internacionais profissionais”.

O líder colombiano também afirmou que as “sérias dúvidas” em relação ao processo eleitoral pode levar os venezuelanos a “uma polarização violenta, com sérias consequências de divisão permanente de uma nação”.

Também em 31 de julho, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (Morena, esquerda), disse que era preciso esperar a revisão das atas. Mas ponderou que não era possível desqualificar o resultado divulgado pelo CNE.

Sem avisar Lula, Obrador suspendeu as conversas sobre a situação na Venezuela com Brasil e Colômbia em 13 de agosto. O diálogo entre os governos brasileiro e colombiano envolvendo o tema se mantiveram. Ambos os países divulgaram novos comunicados em:

  • 24.ago.2024: Lula e Petro exigiram pouco do governo de Maduro. Pediram dados “verificáveis” da eleição e que a comunidade internacional não aplique sanções à Venezuela. Entretanto, os 2 não condenaram o constrangimento que o regime chavista impôs ao candidato de oposição, Edmundo González, que, na época, foi convocado a depor para explicar por que mostrou boletins de urna, que são públicos. Eis a íntegra (PDF – 98 kB).
  • 3.set.2024: Lula e Petro adotaram um tom um pouco mais preocupado ao criticarem a ordem de prisão emitida pela Justiça venezuelana contra González. A medida se deu porque o opositor não compareceu aos depoimentos. No documento, os presidentes afirmaram que a ordem dificulta “a busca por solução pacífica, com base no diálogo entre as principais forças políticas venezuelanas”. Eis a íntegra (PDF – 99 kB).

O assessor especial para assuntos internacionais de Lula também se manifestou sobre a ordem de prisão contra González. Em 3 de setembro, disse em entrevista à Reuters que a medida era “muito preocupante” e “a coisa errada a se fazer”. Amorim reconheceu ainda a “escalada autoritária” no país.

“Não há como se negar que há uma escalada autoritária na Venezuela. Não sentimos abertura para o diálogo, há uma reação muito forte a qualquer comentário, temos notícias de várias prisões — próprio governo anunciou mais de 2.000 prisões, não sei se para intimidar. Não há dúvida que há um autoritarismo”, disse.

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