O governo brasileiro não pretende pagar até o fim de 2023 a taxa de € 5,1 milhões (R$ 27 milhões) para entrar na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). O valor deveria ter sido quitado em abril. Há tolerância da organização até dezembro. Sem o pagamento antes do final do ano, o Brasil ficará inadimplente.
A diplomacia brasileira deverá tentar redefinir o processo de adesão. Também o custo. Um problema é que essa taxa será cobrada todos os anos até o Brasil entrar para o órgão. Portanto, se não houver um novo acerto, a dívida se acumulará.
Em janeiro de 2023, no Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que o Brasil poderia fazer mudanças no processo de entrada na OCDE. “Pode surgir [exigência], inclusive, por nossa parte. Não está proibido que o Brasil faça demandas”, disse.
Mais tarde, em maio, Haddad afirmou que o funcionamento do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) precisaria mudar para não atrasar a entrada do Brasil na OCDE. Usou a adesão ao órgão para convencer o Congresso a aprovar um projeto de lei. Mas o mesmo governo estuda uma revisão que, no mínimo, atrasará o processo.
Discussão sobre processo
O pedido formal de entrada começou em 2022, no governo de Jair Bolsonaro (PL). O atual governo quer rediscutir os termos estabelecidos. Também o valor da taxa anual. A avaliação é que se forem necessários menos estudos e etapas, o custo poderá ser menor.
A 1ª reunião interministerial sobre o tema foi em outubro. O Brasil ainda não comunicou à OCDE a intenção de renegociar a adesão.
A lei orçamentária de 2023 aprovada em janeiro, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), estabelece despesa de R$ 27.379.415 para “acessão” à OCDE.
Análise
Parece claro que o governo brasileiro se desinteressou pela entrada na OCDE. Por ora, a velocidade do processo foi reduzida a quase zero.
O governo Lula adia dessa forma um estágio considerado relevante pelo establishment financeiro e econômico mundial para inserção do Brasil no cenário internacional. A imagem global do país fica um pouco menos envernizada –na contramão do que o atual governo diz tentar fazer.
Essa atitude do governo não deveria ser surpresa. Celso Amorim, principal assessor internacional de Lula, disse em agosto de 2022, ainda durante a campanha eleitoral, que a prioridade do Brasil seria o Mercosul e não a OCDE, embora não exista competição entre as duas coisas.
Na avaliação de economistas, entrar para a OCDE levaria o país a cumprir regras que poderiam acelerar a produtividade do governo e de empresas. Portanto, alavancariam o crescimento econômico. Demorar para entrar na organização ou cancelar o processo significará, por essa avaliação, ficar para trás.
Pior do que deixar a OCDE de lado é mudar o plano sem transparência. A intenção de mudar o processo de adesão é discutida por poucas pessoas no governo. Não foi comunicada ainda à organização.
Não há noção clara no governo do que se quer fazer. Só do que não se quer: seguir o roteiro estabelecido pela gestão anterior.
O esfriamento do processo de acessão foi discutido por representantes europeus na OCDE em 2 de novembro. Não foi um debate formal. Por isso não há registro. A avaliação é que falta seriedade do governo.
Peru e Indonésia
A administração atual dá pouca importância à proximidade com países desenvolvidos, que predominam na OCDE. Prefere o chamado Sul Global (expressão identitária do mundo “woke” e que sucedeu a termos como “Terceiro Mundo”, “subdesenvolvidos”, “emergentes” e “em desenvolvimento”).
Só que nesse grupo há países com estratégia bem diferente da do Brasil, que corre o risco de ficar para trás. Peru e Indonésia têm grandes chances de entrar para a OCDE antes de o Planalto voltar a demonstrar interesse em entrar para a organização.