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Com Guaíba em nível recorde, moradores de Porto Alegre resgatam vizinhos com barcos e jet skis

Publicado 05.05.2024, 16:04
Atualizado 05.05.2024, 16:05
© Reuters. Ruas alagadas em Porto Alegre
05/05/2024
REUTERS/Renan Mattos

Por Débora Ely

PORTO ALEGRE, 5 Mai (Reuters) - O pescador Rubens Ribeiro saiu com a família em seu barco com a água cobrindo o telhado da casa na Ilha da Pintada, em Porto Alegre, enquanto o Rio Guaíba subia para um nível recorde devido à maior enchente da história da capital gaúcha.

Depois de deixar a esposa e quatro filhos em uma ponte, sob cuidados dos bombeiros, retornou à ilha para retirar vizinhos, até que a correnteza furou o casco da embarcação. Ele, então, usou seu caiaque para chegar às vielas mais estreitas e transportar, um a um, moradores até embarcações maiores.

Ainda precisou nadar 90 metros para buscar seu cachorro e mergulhou por baixo de uma árvore para salvar três gatos da casa de um sobrinho, contou ele à Reuters.

“Enquanto a gente não tirar todo o pessoal da ilha, a gente não vai parar”, disse Ribeiro em entrevista na Usina do Gasômetro, um dos principais pontos turísticos da capital gaúcha, que foi transformado em uma central de resgate da população das ilhas da cidade.

O Rio Guaíba subiu ao nível inédito de 5,3 metros na tarde deste domingo, no ápice da maior enchente já registrada em Porto Alegre. As águas cobrem ruas e avenidas de norte a sul da cidade, incluindo o Centro Histórico, inundam pontos que nunca haviam sido alcançados pelas cheias, e expulsam de casa um número ainda incerto de moradores.

Os alagamentos na cidade, que também bloqueiam seus principais acessos, interrompem as atividades no aeroporto Salgado Filho e impactam os serviços de luz, água e saúde, são as mais recentes consequências da pior enchente que se tem notícia no Rio Grande do Sul.

O desastre climático matou, até o momento, 75 pessoas, atingiu 334 dos 497 municípios gaúchos e afetou mais de 780 mil moradores.

Segundo balanço da Defesa Civil do Estado deste domingo, 103 pessoas seguem desaparecidas e mais de 104,6 mil estão desabrigados ou desalojados. Há 177 trechos de rodovias com bloqueios totais ou parciais pelo rompimento de pontes, acúmulo de água ou desabamento de encostas -- entre elas, algumas das principais estradas que cortam o Rio Grande do Sul, como as BRs 116 e 386.

RESGATES

O rápido aumento do nível do Guaíba e de seus afluentes provoca uma corrida por resgates em Porto Alegre e nas cidades vizinhas de Eldorado do Sul e Canoas, entre outras, desde as primeiras horas de quinta-feira.

Moradores ilhados têm usado as redes sociais e grupos de WhatsApp para compartilhar sua localização em pedidos por socorro, e usuários atualizam mapas online com endereços de pessoas isoladas.

“Precisamos de resgate!!! Água subindo sem parar. Ficando sem bateria”, escreveu no X uma mulher de Eldorado do Sul, que estava em um apartamento com 20 pessoas enquanto a enchente ameaçava chegar ao segundo andar do prédio, no sábado.

Dezenas de voluntários que praticam esportes náuticos ou pescam no Guaíba se somaram às equipes do Exército, do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil na busca por moradores que estão em comunidades tomadas pelo rio. Até este domingo, a cidade contabilizava mais de 4 mil resgates.

Moradora da Ilha da Pintada, Kaeli Moraes foi retirada de jet ski de sua casa com o marido e os três filhos quando o alagamento estava a cinco degraus de alcançar o segundo andar. Eles só conseguiram deixar o local porque o pai de Kaeli arrancou as grades da janela da sala, de dentro de um barco, e a família pôde pular para o telhado da residência em frente.

“Teve enchente em setembro, depois em novembro. E, agora, essa. Tudo só piora”, disse, mencionando as duas cheias do ano passado que também alagaram as ilhas da capital gaúcha.

Na Usina do Gasômetro, os moradores que chegam têm apenas a roupa do corpo, documentos e, em alguns casos, celulares. “De bens materiais, quem tinha bastante e quem tinha pouco ficou sem nada. Nessa hora, a gente tem que salvar a vida da gente”, disse o pescador Marcos Brandão, que, resgatado em um barco de pequeno porte, precisou abandonar o pitbull da família em uma laje ainda intacta.

Com o seu jet ski submerso em uma garagem, Fabiano Saldanha pegou emprestado o de um conhecido e, desde sexta-feira, calcula que o grupo formado por ele e três amigos socorreu cerca de 50 moradores das ilhas. Os jet skis, conta, circulam na altura dos fios dos postes de luz e passam por cima de carros submersos pelo labirinto de água que engoliu as vias, sob forte correnteza do Guaíba.

“A gente entra nas ruas e só ouve ‘socorro’, ‘socorro’. É muito triste, é uma guerra”, relatou.

Equipes de socorristas de ao menos outros nove Estados do país atuam nas operações, sobretudo em localidades onde o socorro precisa chegar do céu. Em uma cena que viralizou nas redes sociais, um homem do Comando de Aviação do Exército quebrou o telhado de uma casa ilhada com um tijolo e içou um bebê em um helicóptero em Lajeado.

© Reuters. Ruas alagadas em Porto Alegre
05/05/2024
REUTERS/Renan Mattos

O Estado soma 421,1 mil pontos sem energia elétrica e 839 mil sem água, e suspendeu as aulas na rede estadual de ensino após os estragos das chuvas que caem desde a última segunda-feira. Os serviços de telefonia e internet não estão funcionando em dezenas de municípios.

O governo federal montou um gabinete de crise para centralizar os trabalhos no Estado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornou ao Rio Grande do Sul neste domingo, três dias após a primeira visita desde o início da crise, ao lado de 13 ministros e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

“Repito e insisto: a devastação a que estamos sendo submetidos não tem precedentes. É momento de somarmos forças em prol do nosso Estado”, publicou o governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), nas redes sociais, antes de se encontrar com Lula.

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