O jornalista Nelson Garrone, comentarista da CNN de Portugal, foi alvo de agressões de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta sexta-feira, 30. Ele foi hostilizado por uma multidão de bolsonaristas ao tentar uma entrevista no acampamento montado por eles no Quartel General do Exército, em Brasília.
Ao saberem que ele é da imprensa, os apoiadores do atual governo deram chutes em Garrone e no cinegrafista que o acompanhava e chegaram a derrubar os dois. O comentarista conta que ficou com um ferimento no braço após o ataque e teve que sair acompanhado escoltado pelo Exército.
Garrone trabalha para a CNN e para emissora portuguesa TVI, que no país fazem parte do mesmo grupo. De acordo com ele, o foco do seu trabalho é acompanhar a ida do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, à posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como novo presidente do Brasil.
"Eu fui em uma missão de mostrar o que está acontecendo. Depois da live do presidente Bolsonaro, fui lá, cheguei, estava com um microfone da TVI e a única que pergunta que eu fiz foi: "O que está acontecendo? Pode me explicar o que está acontecendo?". Só fiz essa pergunta e comecei a conversar com uma senhora e já não deu para ouvir a resposta dela. Começaram a gritar: 'fora, fora, fora', foi aquela: a imprensa manipula, comunista e tal", declarou o Garrone ao Estadão.
"Me deram uma voadora (uma espécie de chute), caí no chão, deram uma voadora no cinegrafista, que caiu no chão. O importante dessa história é que o pessoal do Exército estava lá e acolheu, protegeu a gente, a gente entrou em um carro e saiu escoltado. Rasgaram dois pneus e a gente teve que sair com dois pneus furados até conseguir trocar. O Exército agiu muito institucionalmente, protegeram a gente, rolou gás de pimenta", afirmou.
O grupo bolsonarista está reunido no local desde quando o presidente perdeu a reeleição para o petista. Eles têm ecoado um discurso golpista de intervenção militar para impedir que o petista tome posse. De lá, saíram dois episódios recentes envolvendo violência em Brasília. Integrantes do acampamento promoveram um quebra-quebra na capital federal no dia 12 de dezembro e uma pessoa do grupo tentou explodir uma bomba nas imediações do aeroporto da cidade no último dia 24, véspera de Natal.
Nesta sexta, na véspera do fim do mandato, Bolsonaro fez uma live nas redes sociais em que declarou que "nada justifica" o que chamou de "tentativa de ato terrorista" em Brasília, disse que "foi difícil" se manter calado por dois meses e reconheceu, pela primeira vez, que seu "opositor", Lula, tomará posse a partir deste domingo, 1.º de janeiro.
Decepcionados, dezenas de apoiadores pediram, nos comentários da live, a aplicação do artigo 142 da Constituição. O dispositivo tem sido citado desde as eleições como uma suposta forma de manutenção do poder de Jair Bolsonaro. Em uma interpretação deturpada da Constituição, bolsonaristas creem que o trecho permite intervenção das Forças Armadas sobre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
"Eu tive esse cuidado de fazer só uma pergunta: 'o que está acontecendo?'. Uma pergunta que é bem ampla, sem qualquer viés, sem adjetivar, nada. Tentei conversar. Eu nem dei destaque. Acabei de fazer um ao vivo, contei essa história no ar, mas são aquelas pessoas, não é uma questão gigante, pelo menos para mim. Não é a dimensão", explicou o comentarista.