*Por Sophie Culpepper
Uma pesquisa mostrou que pedir ideias de histórias à sua audiência e cumprir com isso pode ajudar a aumentar as assinaturas e melhorar a percepção da audiência em relação aos veículos de notícias locais.
O levantamento buscou uma relação entre o jornalismo engajado, o apoio econômico e a audiência das reportagens. O material foi produzido por Natalie Talia Jomini Stroud, professora no departamento de comunicação da Faculdade Moody de Comunicação da Universidade do Texas, e Emily Van Duyn, professora assistente na Universidade de Illinois.
Nos últimos anos, o jornalismo engajado –uma abordagem de reportagem que envolve a audiência no processo jornalístico e tenta responder diretamente às suas preocupações e perguntas– ganhou destaque e inspirou uma variedade de projetos de reportagem –assim como notas de cautela.
O estudo foi publicado no Journal of Communication em julho de 2023. Segundo as pesquisadoras, o material “investiga o jornalismo engajado como uma estratégia para impactar as fontes de receita das Redações de notícias e melhorar as avaliações da audiência”.
Eles enquadraram o jornalismo engajado como um exemplo específico da indústria da “teoria da troca social” ou “a premissa de que os relacionamentos são construídos e mantidos por meio de uma troca de benefícios”.
Stroud e Van Duyn disseram que a pesquisa focou em mostrar se a relação causal entre o jornalismo engajado e os indicadores econômicos e de audiência de notícias pode ajudar as Redações a decidirem vale a pena investir recursos nesse tipo de reportagem.
Os benefícios que Stroud e Van Duyn encontraram são pequenos, mas concretos. Elas consideram que os tópicos devem ser considerados por veículos de notícias que estejam ponderando a expansão de iniciativas de jornalismo engajado ou implementando-as pela 1ª vez.
“Embora a magnitude do efeito seja improvável de salvar o jornalismo local”, escreveram Stroud e Van Duyn na publicação do material.
“Ela demonstra que o jornalismo engajado pode direcionar o jornalismo local na direção certa, aumentando seus resultados financeiros e melhorando os relacionamentos com a comunidade”, acrescentaram as docentes.
TESTE DE 6 MESES
Para entender os efeitos da implementação do jornalismo engajado, Stroud e Van Duyn se associaram a “20 sites de notícias locais baseados nos EUA, de propriedade da mesma empresa-mãe e afiliados a jornais locais”, incluindo 4 grandes sites, 10 médios e 6 pequenos.Segundo as pesquisadoras, os veículos de notícias participantes participaram do estudo em condição de anonimato.
Dentro de cada um dos 3 grupos –grandes, médios e pequenos–, metade dos sites serviu como grupo de controle, enquanto a outra metade implementou uma iniciativa de jornalismo engajado de junho a dezembro de 2018.
A iniciativa foi estruturada de forma semelhante a uma aplicação jornalística de orçamento participativo –modelo cívico para envolver diretamente os cidadãos locais no governo, os quais podem propor e votar projetos para o governo financiar– e envolveu:
- Redações de notícias que questionaram à audiência quais perguntas gostariam que os jornalistas respondessem e convidaram os leitores a enviarem as perguntas por meio da plataforma de engajamento digital Hearken;
- Redações de notícias selecionando as principais perguntas e convidando o público a votar no questionamento de sua preferência;
- reportagem sobre a pergunta que recebeu mais votos e convidando a pessoa que enviou essa pergunta a participar do processo de reportagem –poucos remetentes participaram desta etapa;
- publicação dessa reportagem; e
- reiniciando o processo com uma nova rodada de envio de perguntas.
- publicar de 2 a 3 artigos por mês;
- realizar rodadas de votação mensalmente;
- entrar em contato com o remetente da pergunta pelo menos uma vez antes de fazer a reportagem; e
- acionar o remetente do questionamento pelo menos uma vez antes da publicação.
Cada Redação de notícias que participou deste estudo publicou em média 26 histórias durante o período de 6 meses, totalizando 263 reportagens publicadas.
Mais de 1/3 das histórias abordou informações cívicas –incluindo história local e tópicos de recreação–, enquanto outras se concentraram no desenvolvimento econômico, meio ambiente, sistemas de transporte, entre outros tópicos.
PERSPECTIVAS ANTES DO EXPERIMENTO
Embora alguns dos sites de notícias já tivessem implementado iniciativas de jornalismo engajado anteriormente, eram em menor escala e utilizavam plataformas diferentes, de acordo com Stroud.“Antes deste estudo, várias das organizações de notícias já haviam implementado iniciativas de jornalismo engajado em menor escala, como grupos fechados no Facebook (NASDAQ:META) ou blogs, mas enxergaram a iniciativa da Hearken como uma maneira de impulsionar ainda mais a interação com a audiência além do Facebook ou dos comentários nas redes sociais”, declarou Stroud por e-mail.
Stroud e Van Duyn relatam que “os sites de notícias estavam geralmente ansiosos para usar a plataforma [Hearken], embora não estivessem isentos de preocupações”.
Em um apêndice suplementar do estudo, eles observaram que cerca de metade dos sites de notícias envolvidos “pareciam mais preocupados com o desenvolvimento tecnológico”, como a aparência ou a manutenção da página de destino do site, do que com o processo de reportagem em torno da intervenção de engajamento.
Segundo o estudo realizado por Stroud e Van Duyn, as Redações também demonstraram ter dúvidas sobre como tornar as intervenções e as páginas de destino consistentes com suas marcas.
Cada redação de notícias escolheu um repórter ou repórteres que atuaram como “o ponto de contato para a intervenção”. Os jornalistas poderiam tanto relatar as perguntas da audiência eles próprios ou pedir a um editor para atribuir as ideias a outros repórteres.
Stroud e Van Duyn observam que “quase todos os jornais tinham preocupações sobre a carga de trabalho para o ponto de contato da equipe, e isso era especialmente verdadeiro para jornais que haviam enfrentado recentemente demissões ou jornais que haviam sido recentemente adquiridos pela empresa-mãe”.
A Hearken, que forneceu treinamento para as redações envolvidas, recomendou que esta iniciativa substituísse outras responsabilidades de reportagem do ponto de contato da iniciativa, em vez de acrescentar à sua carga de trabalho regular.
Outras pesquisas indicam que as redações podem ter “algum grau de sucesso ao envolver membros da audiência ao longo da produção de notícias”, mas também sugerem que a implementação de iniciativas de envolvimento da audiência é “significativamente moldada por imperativos organizacionais” e como exatamente cada veículo aborda a reportagem centrada na audiência.
As docentes também destacaram no estudo que as redações expressaram preocupações sobre os tipos de perguntas que seriam enviadas e quem seriam os remetentes.
Vários sites compartilharam preocupações sobre trolls. Alguns estavam receosos de que enfrentariam perguntas que não eram dignas de notícia ou não despertariam interesse, como: “O que acontece quando eu dou descarga no meu vaso sanitário?”.
Repórteres também estavam preocupados que as mesmas pessoas que já interagiam nas redes sociais, por telefone e por e-mail enviariam perguntas –ou que não receberiam envolvimento da audiência de forma alguma. Um site chegou a descrever o experimento como “um deserto de contribuições dos leitores”.
Além disso, outro site levantou a preocupação de que esta iniciativa de jornalismo engajado poderia decepcionar a audiência.
Por outro lado, algumas redações viram o potencial da intervenção para ajudá-las a envolver audiências mais jovens e seu público “passageiro” que lê cerca de 1 artigo por mês. Um jornal relatou que “80% de sua audiência fazia parte desse grupo”.
Alguns sites também esperavam que a iniciativa resultasse em um envolvimento mais produtivo e civilizado do que costumavam obter em fóruns como a caixa de comentários do Facebook.
As redações tinham a esperança de que a iniciativa pudesse ajudar a aumentar a confiança na mídia noticiosa em geral, indo além de sua organização individual.
OS RESULTADOS
Stroud e Van Duyn examinaram várias variáveis diferentes. Para medir o impacto econômico de uma intervenção de jornalismo engajado, eles acompanharam novas assinaturas, renovações de assinaturas, visualizações de páginas e visitas de retorno.Para examinar as percepções da audiência sobre “eficácia das notícias”, “responsividade” e “engajamento”, as docentes aplicaram uma pesquisa nas redações de jornalismo antes e depois da intervenção.
Nas pesquisas, foram feitas perguntas às audiências dos sites sobre:
- o quão representadas se sentiam;
- em que medida sentiam que tinham influência na cobertura;
- quão responsiva a redação de notícias era às perguntas da comunidade; e
- quanto o site se importava com os interesses dos leitores e em ajudar a comunidade.
No geral, uma média de 200 pessoas respondeu a ambas as pesquisas –pré e pós-intervenção– por site. Essa audiência não era representativa das “demografias do usuário típico de notícias, conforme determinado pelo Pew Research Center”.
Em média, os respondentes que completaram ambas as pesquisas eram:
- um pouco mais velhos;
- mais do sexo masculino; e
- mais educados do que aqueles que apenas completaram a primeira pesquisa.
Houve “um aumento de 1,75 novas assinaturas por dia para os sites de notícias de intervenção em comparação com os sites de controle, mantidas todas as outras coisas iguais”.
Esse aumento é significativo em relação à média diária de 2,27 novas assinaturas, embora as autoras tenham observado que havia “considerável variação nas taxas de assinatura”, de modo que esse número não necessariamente se aplicava a sites individuais.
Essa descoberta sugeriu aos pesquisadores que “ao fornecer um serviço que responde às perguntas feitas pelos membros da audiência, as audiências têm mais probabilidade de retribuir por meio de assinaturas”.
Por outro lado, a intervenção não afetou as renovações de assinaturas, as visualizações de páginas ou as visitas de retorno. As pesquisadoras hipotetizaram que a intervenção impulsionaria cada uma dessas métricas.
Para Stroud e Van Duyn, isso indica que “o jornalismo engajado tem o potencial de construir relacionamentos com a audiência que continuam ao longo do tempo, em vez de se dissiparem após uma breve interação”.
As docentes também afirmaram que esse tipo de produção jornalístiica pode transformar “visitantes em audiências pagantes, em vez de aumentar sistematicamente suas visitas ao site”.
A intervenção também pareceu afetar a percepção e o relacionamento da audiência com as redações de notícias.
Depois da intervenção, os respondentes da pesquisa “classificaram sua eficácia em relação às notícias como mais alta”.
Eles também “acharam que o site de notícias era mais responsivo e sentiram que o site de notícias estava mais envolvido na comunidade”.
Em outras palavras, depois de uma iniciativa contínua de jornalismo engajado, “os membros da audiência tiveram percepções mais favoráveis do jornal e um senso mais forte do papel dos sites de notícias na infraestrutura de sua comunidade”.
Van Duyn e Stroud não encontraram evidências de diferenças nos efeitos da intervenção com base no tamanho das redações de notícias –eles observaram, em particular, se sites maiores com mais recursos tiveram mais sucesso com a intervenção.
Eles também descobriram que as intervenções de jornalismo engajado não pareciam afetar significativamente a confiança.
No geral, Van Duyn e Stroud argumentam que “o jornalismo engajado apresenta uma estratégia valiosa para construir relacionamentos sustentáveis e simbióticos entre as redações de notícias locais e as comunidades que atendem”.
Strouud destacou que “a pesquisa demonstra que os esforços de engajamento podem trazer benefícios tanto comerciais quanto para a comunidade. Embora não seja uma panaceia, pode ser útil”.
Em sua conclusão, as pesquisadoras enfatizaram que elas examinaram só um tipo específico de intervenção em uma única empresa de mídia de jornal –pode haver descobertas diferentes em outras empresas, ou descobertas específicas para o jornalismo local de televisão.
Stroud gostaria de ver mais pesquisas nesses aspectos e em outros. Em sua opinião, “precisamos de mais trabalhos em que acadêmicos colaborem com organizações de notícias para entender o que funciona e o que não funciona, em que circunstâncias e para quem”.
Sophie Culpepper é redatora da equipe do Nieman Lab. Anteriormente, foi co-fundadora do Lexington Observer, onde fez reportagens sobre escolas públicas, governo local, desenvolvimento econômico e segurança pública, entre outros tópicos, como a única jornalista em tempo integral da organização sem fins lucrativos de notícias digitais por dois anos. Ela se formou na Brown University em 2021 e foi editora-chefe do conselho editorial do The Brown Daily Herald.
Texto traduzido por Sarah Peres. Leia o original em inglês.
O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos que o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.