BRASÍLIA/SÃO PAULO (Reuters) -A equipe de transição de governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva ainda estuda como equacionar o pagamento de 600 reais do Auxílio Brasil no próximo ano --se por medida provisória ou Proposta de Emenda à Constituição (PEC)--, e nessa conta entram tanto variáveis jurídicas como políticas.
Integrantes da transição discutiram nesta segunda a melhor alternativa legislativa, mas, segundo duas fontes --uma do PT e outra do Congresso-- não há definição ainda. Havia a expectativa de anúncio ainda nesta segunda do valor necessário para cobrir o benefício e eventuais despesas não previstas no Orçamento de 2023, segundo a fonte petista, mas a ideia foi descartada.
Essa mesma fonte acrescentou uma terceira possibilidade, híbrida: lançar mão de uma PEC com parte do valor desejado pelo próximo governo e também uma MP para complementar o restante dos recursos.
Toda essa engenharia para garantir os recursos sem esbarrar nos entraves jurídicos ou gastar uma jogada no campo político ainda será tema das conversas que Lula e o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, devem ter no decorrer da semana.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) informou que deve avaliar com Alckmin "caminhos possíveis" para se conseguir ter a margem no Orçamento para o cumprimento das promessas de campanha. Alckmin deve chegar a Brasília pela manhã, segundo Randolfe, e Lula no fim do dia.
O assunto também deve ser abordado pelo vice-presidente em reunião com o relator geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), e integrantes da Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso, na terça-feira, confirmam duas fontes do Legislativo.
Na semana passada, membros da equipe de transição anunciaram a ideia de usar uma PEC para abrir exceção ao teto de gastos e adequar as despesas do ano que vem, o que ajudaria o presidente eleito a contemplar as promessas de campanha. A escolha traria mais segurança jurídica ao próximo governo e evitaria possíveis questionamentos judiciais.
O problema é que essa PEC teria de ser votada pelo atual Congresso, e ainda durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. Por se tratar de uma alteração da Constituição Federal, a PEC tem um caminho mais complexo, e exige uma maioria de três quintos dos parlamentares, em dois turnos de votação tanto na Câmara como no Senado, fora a tramitação em comissões.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), alerta para o fato de que se optar pela chamada PEC da transição, o futuro governo Lula terá de negociar agora com o centrão, base do governo Bolsonaro e aliado do presidente na eleição. O grupo tem como uma das principais lideranças o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que já se movimenta por sua reeleição no comando da Casa.
Calheiros acredita não haver problema na edição de uma MP, já no início do mandato de Lula, para a abertura de crédito extraordinário, o que garantiria os 600 reais e mais um ou dois pontos dos problemas orçamentários levantados pela transição.
Os demais furos poderiam ser resolvidos no próprio Orçamento ou por instrumentos legislativos mais simples, como projetos de lei, defende o parlamentar.
"Uma MP não dará papel ao centrão no final do mandato parlamentar", disse Calheiros à Reuters.
O senador explica, por exemplo, que não é necessária uma PEC para mudar leis orçamentárias, assim como eventuais ajustes na regra de ouro também não exigem mudanças na Constituição: "Com medida provisória ou projeto de lei, resolve".
"A MP poderia resolver o problema do auxílio, duas coisas, ou três coisas. E o Orçamento resolve o resto. Não precisa requisitar Bolsonaro, nem centrão", avaliou.
Há dúvidas, no entanto, sobre a segurança jurídica dessa alternativa e é por isso que a equipe de Lula já iniciou conversas com o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão de controle que ajuda o Congresso a acompanhar a execução orçamentária e financeira do país.
A articulação com o TCU, explica Calheiros, serve para "consubstanciar a segurança jurídica". E essa consulta ao tribunal, de acordo com a fonte da transição, deverá servir de base para a decisão de editar uma MP no início de janeiro ou de insistir na PEC agora.
(Reportagem de Maria Carolina Marcello, em Brasília, e Fernando Cardoso, em São PauloEdição de Alexandre Caverni e Pedro Fonseca)