O sócio do haras onde o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, cria cavalos de raça, no interior do Maranhão, foi exonerado do Senado após o Estadão mostrar que Gustavo Marques Gaspar era um funcionário fantasma em Brasília e não dava expediente onde deveria. O empresário recebia um salário de R$ 17,2 mil, mas no local onde deveria trabalhar, ninguém o conhecia.
Nesta terça-feira, 14, o gabinete do senador Weverton Rocha (PDT-MA), para quem Gaspar deveria prestar serviços, afirmou que o funcionário pediu para ser exonerado. Segundo a nota, o fantasma deixou o cargo por "não se sentir confortável com a superexposição". Antes da publicação da primeira reportagem, Gaspar foi procurado pelo Estadão, mas não respondeu aos contatos.
A exoneração foi publicada no Boletim Administrativo do Senado nesta segunda-feira, 13. A portaria 2.458, que traz a decisão, foi assinada pelo diretor-executivo de gestão, Marcio Tancredi. O sócio do haras havia sido nomeado para o cargo de assistente parlamentar sênior no Instituto Legislativo Brasileiro e estava lotado na liderança do PDT.
O Estadão esteve na liderança do PDT no Senado há duas semanas, onde Gaspar deveria dar expediente. Na ocasião, servidores disseram que não conheciam o suposto funcionário. Diante do constrangimento, o responsável pelo gabinete, Silvio Saraiva (BVMF:SLED4), admitiu que ele não trabalhava no local onde estava lotado.
Gaspar foi realocado para a Segunda Secretaria do Senado, comandada desde fevereiro pelo senador Weverton (PDT-MA), dois dias após a reportagem procurá-lo. O parlamentar é compadre de Juscelino e um dos fiadores da indicação para a pasta das Comunicações, ao lado do colega Davi Alcolumbre (União Brasil-AP
Weverton era o líder do PDT no Senado em 2019, quando Gaspar foi nomeado. Em fevereiro de 2021, a liderança do PDT passou a ser comandada pelo senador Cid Gomes (CE), mas o servidor continuou empregado. Na função, ele não era liberado de marcar presença em sistema de ponto eletrônico.
"O exercício dele continuou aqui por falha mesmo. Deveria ter sido requisitado o exercício dele para o gabinete do senador Weverton. Não foi. Provavelmente, ele (Gaspar) está trabalhando na Segunda Secretaria, que é onde o senador Weverton está agora. Não deve estar nem no gabinete dele", justificou o chefe de gabinete do PDT ao Estadão. Ele não explicou como a 'falha' só foi percebida dois anos depois, quando houve o questionamento da reportagem.
Homem de confiança do ministro na política e nos negócios, o funcionário fantasma é irmão de Tatiana Gaspar, contratada pelo ministro como assessora especial das Comunicações, com salário de R$ 13,2 mil. Quando deputado, Juscelino Filho já havia empregado o pai de Gaspar, de 80 anos, com salário de R$ 15,7 mil.
No papel, Gaspar e a irmã do ministro, a prefeita de Vitorino Freire (MA), Luanna Rezende, são sócios do haras. O ministro, contudo, é quem lidera o negócio, mas não aparece formalmente nos registros. O Estadão telefonou para o empreendimento e quem atendeu não soube informar quem era Gustavo Gaspar. O funcionário pediu para a reportagem falar com o ministro das Comunicações para saber quem administra o haras.
Gustavo Gaspar e o ministro participaram de uma transação imobiliária em 2007. Juscelino Filho vendeu 165 mil metros quadrados da área do haras para Gaspar por R$ 50 mil (R$ 124 mil atuais). Em 2018, o então deputado readquiriu o terreno por R$ 167 mil (R$ 215 mil).
Como mostrou o Estadão, o estabelecimento guarda parte dos mais de R$ 2 milhões em cavalos que pertencem ao ministro e não foram declarados à Justiça Eleitoral. Em vídeo publicado na semana passada, Juscelino Filho admitiu possuir um patrimônio de cavalos. A reportagem também mostrou que o ministro usou um avião da Força Aérea Brasileira e diárias para ir a leilões de cavalos em São Paulo.
O Estadão também mostrou que um grupo ligado a Weverton Rocha e ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) assumiu o controle da diretoria de radiodifusão privada no ministério de Juscelino Filho. Além disso, um apadrinhado de Weverton Rocha foi nomeado como diretor dos Correios.
O jornal mostrou, ainda, que o ministro usou um voo da FAB e diárias do governo para ir a reuniões relacionadas a cavalos em São Paulo, inclusive leilões. Em um desses eventos, um cavalo de Juscelino foi apresentado para impulsionar a venda de uma égua, que teve os direitos de 50% sobre ela arrematados por R$ 1 milhão. Nenhum dos compromissos constava da agenda oficial de Juscelino. Após o Estadão revelar o caso, o ministro devolveu o dinheiro ao governo.
Apesar da série de acusações sobre mau uso do dinheiro público, Juscelino foi mantido no cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele cedeu à chantagem do União Brasil que ameaçou votar contra projetos de interesse do governo caso o ministro fosse exonerado. Lula chegou a ameaçar demitir Juscelino se ele não conseguisse dar explicações convincentes. Após se reunir como ministro, Lula preferiu preservá-lo no posto e sugeriu que o ministro desse declarações públicas sobre a apropriação de diárias e uso de jato da FAB para viajar a São Paulo.