Por Bernardo Caram e Luana Maria Benedito
BRASÍLIA/SÃO PAULO (Reuters) - Ao lado do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em debate no Senado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta quinta-feira que o país terá problemas fiscais se a economia continuar desacelerando como resultado da condução da política monetária, e pediu "harmonização" entre ações do governo e do BC.
Na mesma sessão, Campos Neto voltou a pregar persistência no combate à alta de preços, defendeu o sistema de metas de inflação e justificou o atual nível dos juros, argumentando que as taxas altas são efeito do nível alto da dívida pública, e não sua causa.
As autoridades participaram de sessão temática no plenário do Senado para discutir juros, inflação e cenário econômico, em meio a fortes críticas de membros e aliados do governo ao patamar da taxa Selic, atualmente em 13,75%.
"Se a economia continuar desacelerando por razões ligadas à política monetária, nós vamos ter problemas fiscais porque a arrecadação vai ser impactada", disse Haddad.
"Eu não tenho como dissociar monetário do fiscal. Se eu desacelero a economia, saindo de 4% para 3%, para 2%, para 1%, eu vou ter impactos fiscais", acrescentou o ministro, ao argumentar que o governo tem adotado medidas duras para reorganizar as contas públicas.
Haddad disse não ver separação entre políticas fiscal, monetária e prudencial, afirmando também que os conflitos distributivos do Brasil são "severos" e só serão equacionados com crescimento econômico.
Ele defendeu um ajuste fiscal para evitar que o pais fique mais sete anos sem dar aumento real ao salário mínimo e revisar a tabela do Imposto de Renda e mais 15 anos sem reajustar os pagamentos do Sistema Único de Saúde.
Haddad disse ainda que é necessário recuperar a capacidade do Brasil de investir, pediu cortes de gastos, sobretudo os gastos tributários, que englobam incentivos fiscais. Ele voltou a mirar essas renúncias como fator a ser combatido de forma a aumentar a captação de recursos pela União.
JUROS TÃO ALTOS
Durante o debate, Campos Neto mais uma vez reconheceu o "grande esforço" do governo para estabilizar as contas públicas, num aceno ao arcabouço fiscal, citando "real possibilidade" de haver uma estabilização da dívida pública.
No entanto, ele defendeu persistência no combate à inflação, justificando que não há estabilidade social sem estabilidade de preços.
Segundo ele, o Banco Central atua de forma técnica e de forma a suavizar os ciclos econômicos e gerar o menor custo possível ao país com sua política monetária.
"O Banco Central tem preocupação enorme com a agenda social", disse. "Não se consegue estabilidade social com inflação descontrolada".
De acordo com o presidente do BC, “os juros são tão altos no Brasil” por razões estruturais, como o nível elevado da dívida, e fatores ligados à política monetária.
“Na parte dos juros, a gente não pode confundir causa e efeito. A dívida não é alta porque o juro é alto, é o contrário, o juro é alto porque a dívida é alta", afirmou Campos Neto. "Quando você endividado vai ao banco, o banco faz uma análise de crédito, diz que você é endividado, indisciplinado e não paga sua dívida, seu juro é mais alto; a gente não pode confundir causa com efeito.”
Haddad tem destacado em suas declarações públicas recentes que o nível alto dos juros eleva o custo de honrar os pagamentos da dívida do governo.
Do lado estrutural, Campos Neto afirmou que o país tem taxa de recuperação de crédito baixa, endividamento alto e baixo nível de poupança. Em relação à política monetária, ele voltou a dizer que o volume de crédito direcionado (que é regulado pelo governo) é muito grande, o que reduz a potência da ação do BC.
O presidente do BC reconheceu que o Brasil tem juro real (diferença entre a taxa de juros e o patamar da inflação) alto, mas abaixo da média histórica. Os núcleos de inflação no país seguem elevados e a alta de preços não está relacionada a problemas de oferta, o que exige a atuação que está sendo feita pelo BC, disse.
Nos últimos meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma série de críticas à autoridade monetária, sob o argumento de que o elevado nível de juros no país contrai excessivamente a atividade e pode resultar em uma crise de crédito. Ele também questionou o sistema de metas para a inflação.
Na audiência, o presidente do BC afirmou ser "impressionante" como o sistema de metas funcionou bem em todos os países e fez preços caíres rapidamente, e destacou que a inflação brasileira passou a maior parte do tempo dentro da margem de tolerância.
Ele defendeu, ainda, a autonomia do Banco Central e argumentou que o modelo gera menores níveis de inflação e volatilidade mais baixa.
Campos Neto ainda reafirmou que nem sempre cortes na Selic geram efeitos positivos, como uma ampliação do crédito ou uma redução dos juros em prazos longos. Esse efeito apenas é sentido se houver credibilidade na política monetária, disse ele.
Na sessão do Senado, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse reconhecer a autonomia e os processos técnicos do Banco Central, mas afirmou que isso não pode impedir um debate "saudável sobre a taxa de juros".
Tebet afirmou ainda durante o debate que há uma boa relação e comunicação constante entre ela, Haddad e Campos Neto: "Nos respeitamos mutuamente".