Por Bernardo Caram e Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - Na estreia no Ministério da Fazenda, Fernando Haddad já enfrenta desgaste público após ser contrariado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ter que ceder na questão da desoneração de combustíveis, conforme relato de duas fontes com conhecimento do assunto, indicando ter pela frente um complexo balanço entre seus planos de ajuste nas contas públicas e a influência da ala política sobre o Planalto.
Com sua força de convencimento sobre Lula colocada à prova, Haddad manteve nesta semana o discurso sobre a importância de uma gestão fiscalmente responsável, mas sem a apresentação de iniciativas concretas, algo que apenas será feito após as medidas passarem pelo crivo do presidente.
O encadeamento das idas e vindas protagonizadas por Haddad mostra que, embora seja ouvido e respeitado por Lula, o ministro pode não ter a palavra final em temas críticos da área econômica que possam ter impacto político, uma percepção que motivou parte da reação negativa do mercado nos primeiros dias do governo.
De acordo com uma das fontes ouvidas pela Reuters, entre 26 e 27 de dezembro, dias antes da posse de Lula, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, ofereceu à equipe de transição mais 90 dias de desoneração de impostos federais sobre combustíveis, o que daria tempo ao novo governo para tomar uma decisão estrutural na área.
Haddad era contra a extensão do benefício e, segundo o relato, preferia usar os mais de 50 bilhões de reais de custo anual da medida para melhorar o resultado fiscal e ampliar gastos sociais. Na negociação com Guedes, ele argumentou que 90 dias era tempo demais e acabou fechando acordo em 30 dias.
Assim que a informação começou a circular nos bastidores de Brasília, Lula chamou seu futuro ministro para uma conversa e determinou que o acordo fosse desfeito. Haddad deu o recado a Guedes e mandou sua assessoria comunicar a imprensa: a desoneração acabaria em 31 de dezembro de 2022 a pedido de Lula.
Nos dias seguintes, o presidente eleito recebeu uma série de nomes em hotel em Brasília para discutir o assunto. Nas conversas estavam Haddad, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o futuro presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, além do futuro ministro de Minas e Energia, senador Alexandre Silveira, e o indicado à presidência da Petrobras (BVMF:PETR4), senador Jean Paul Prates.
Depois da bateria de reuniões, Lula mudou de ideia, segundo a fonte, e decidiu que o novo governo renovaria a desoneração assim que tomasse posse. Pesou na decisão do presidente, de acordo com uma segunda fonte ouvida pela Reuters, a desconfiança de que a atual diretoria da Petrobras --indicada ainda por Jair Bolsonaro-- pudesse aumentar os preços dos combustíveis, o que traria um impacto ainda maior.
De acordo com esse interlocutor, o futuro ministro da Fazenda ainda tentou convencer o presidente de que o melhor era não prorrogar o benefício, mas disse que se a decisão fosse pela extensão, ele se comprometeria a absorver o impacto e o desgaste gerado pela mudança de rumo.
Em entrevista após a edição da medida, que estendeu o benefício em dois meses para gasolina e álcool e em um ano para os outros insumos, Haddad afirmou que Lula quer esperar a posse da nova diretoria da Petrobras para tomar uma decisão sobre combustíveis.
PODER DIVIDIDO E FOGO AMIGO
Haddad herdou seu gabinete do superministro Paulo Guedes, que concentrou em suas mãos poderes da área econômica de Jair Bolsonaro, que assumia publicamente não entender de economia. Lula, no entanto, já declarou que se interessa pelo tema e atuará ativamente nas definições.
No novo governo, a pasta da Economia foi fatiada e Haddad terá que dividir poder e negociar com três ministros da área. A equipe econômica é formada por Esther Dweck (Gestão), com visões à esquerda, enquanto o vice-presidente Geraldo Alckimin (Desenvolvimento) e Simone Tebet (Planejamento) representam a aliança que Lula fez com o centro do espectro político para se eleger.
O quarteto tem feito declarações sobre união e responsabilidade para a gestão das contas públicas. No entanto, Haddad é alvo de fogo amigo dentro do PT, possuindo divergências internas com membros do partido que são próximos a Lula.
O ministro terá que enfrentar essas resistências para conseguir colocar em prática medidas como a revisão de outras desonerações tributárias e a substituição do teto de gastos por uma regra fiscal que dê sustentabilidade à dívida pública.
Cenário preliminar construído pela equipe de Haddad traz uma série de iniciativas que poderiam gerar uma melhora fiscal de até 223 bilhões de reais nas contas deste ano, incluindo ações impopulares como a reoneração do IPI e uma revisão de programas do governo.
O chamado “plano de voo” para a gestão de Haddad, porém, apenas será oficializado após análise, debate e aprovação de Lula.