Há uma década, a então ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon deixava o cargo de corregedora nacional de Justiça, em um mandato que ficou marcado por duras críticas ao corporativismo no Judiciário e processos disciplinares contra magistrados, que provocou a grita de associações de classe. Ela mexeu em temas que, até hoje, são tratados como vespeiro.
Criticou a atuação de parentes de ministros e juízes nas Cortes, o chamado "filhotismo", e o sistema de privilégios e penduricalhos.
Hoje na advocacia, Eliana ataca posturas adotadas recentemente pelo Judiciário, como a tentativa de aumentar o teto salarial e a percepção de valores retroativos para juízes federais, como revelou o jornal O Estado de S. Paulo.
Segundo ela, as práticas mostram o Judiciário "alheio à realidade brasileira".
O Conselho da Justiça Federal aprovou para os próprios juízes federais a volta do quinquênio - aumento automático de 5% a cada cinco anos -, com pagamentos retroativos. Um órgão administrativo do Judiciário pode ter este poder? Trata-se de uma decisão em causa própria?
Em primeiro lugar, discordo da decisão que extinguiu o quinquênio após a criação do subsídio. À época, por um lado, o subsídio fez com que a magistratura ganhasse mais, mas a extinção do quinquênio pôs fim à diferença de remuneração de um juiz que está entrando para outro mais antigo. Os juízes acabaram ficando calados diante da decisão administrativa que extinguiu o quinquênio porque, de alguma maneira, se sentiram contemplados por terem tido um aumento em outra via. Mas, com o tempo, se percebeu o erro que isso representou. Trata-se de uma decisão em causa própria, mas que tem respaldo na Loman (Lei Orgânica da Magistratura), e a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) tem competência, sim, para pleitear o benefício. O erro está no efeito retroativo da decisão administrativa da decisão do CJF, a partir de 2006, quando foi extinto o quinquênio pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Este efeito retroativo impõe o pagamento de valores desde a extinção do benefício.
Qual é o papel destas entidades para a manutenção de privilégios?
As associações de classe dentro do Poder Judiciário assumiram um papel de verdadeiro sindicato, pois estão empenhadas em reivindicar benefícios e privilégios, cavando aqui e ali um penduricalho que rende o que chamamos de diferenças salariais. É uma postura pobre porque não discute, por exemplo, melhoria institucional.
Na mesma semana, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pautou uma PEC que ressuscita o benefício para a magistratura e o MP. O Senado, que tem a prerrogativa de fiscalizar o Judiciário, cumpre seu papel?
Hoje vemos um Senado fraco que decide de acordo com interesses em comum, no que chamamos jocosamente em um "toma lá, da cá", o que tem agredido a Nação como um todo, o que lamento como cidadã.
Qual é a mensagem que o Judiciário passa, por exemplo, quando o STF propõe o aumento do teto em 18%?
A mensagem de que está alheio à realidade brasileira. Vive a sua própria realidade, traçada dentro dos padrões por ele (Supremo) estabelecidos.
Quando a sra. foi corregedora, adotou postura rígida e crítica ao corporativismo. Há chance de pôr fim a este sistema de privilégios, ou é mais fácil o Sargento Garcia prender o Zorro?
Naquele tempo, já era difícil para o Sargento Garcia prender o Zorro. Agora temos o sargento interinamente fora de combate, inclusive amordaçado e com muito medo do Zorro.
O presidente Lula tem criticado responsáveis por processá-lo e julgá-lo, mas não toca em temas como privilégios e o "filhotismo". A sra. vê a chance de Lula mexer neste vespeiro?
A princípio, o Executivo dará as mãos à Corte maior do Judiciário que fala sozinha sobre todo o Poder, mas, com o tempo, fortalecendo-se, (Lula) passará a mostrar as garras ao parceiro.
Em um comparativo com os próprios governos petistas, em sua visão, eles tentaram avançar o sinal em algum momento?
Não, mas eu estou achando que eles estão muito agressivos. Vão fazer um governo bem mais acintoso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.