Após a repercussão negativa de declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre a maior expectativa de vida da população e o acesso à educação, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, aproveitou um discurso em evento público para alfinetar o colega, com quem tem uma desavença antiga.
Marinho e Guedes dividiam o mesmo espaço durante cerimônia de leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), na sede da B3 (SA:B3SA3), nesta sexta-feira, 30, em São Paulo. Após o discurso do ministro da Economia, Marinho subiu ao palco para falar e, olhando para o lado da plateia onde estava Guedes, disparou.
"Com esse momento, o que o senhor (Claudio Castro, governador do Rio) vai poder atender é a dignidade das pessoas, as pessoas mais pobres. As pessoas mais humildes, as pessoas mais desassistidas, que vão poder ter melhor qualidade de vida, que vão viver mais e melhor. Quem sabe possam viver 100, 110, 120 anos. Tomara que isso aconteça em breve em nosso País. Com qualidade, com vida plena, com acesso à educação, com acesso à saúde, com acesso à cidadania. E este é um processo que todos nós estamos integrados", disse Marinho, que teve o discurso mais longo da cerimônia, com oito minutos.
A declaração tinha endereço certo e veio três dias após Guedes afirmar, em uma reunião do Conselho de Saúde Suplementar (Consu), que o Estado brasileiro "quebrou" e não tem capacidade de acompanhar inovações na educação e saúde, que têm permitido inclusive o aumento da expectativa da população.
"Quebrou no exato momento em que o avanço da medicina, não falo nem da pandemia. Falo do direito à vida. Todo mundo quer viver 100 anos, 130 anos. Todo mundo (quer) procurar serviço público. E não há capacidade instalada no setor público para isso. Vai ser impossível", disse o ministro da Economia, que não sabia estar sendo gravado. A reunião era fechada, mas parte dela acabou sendo transmitida. O vídeo foi apagado das redes sociais do Ministério da Saúde.
Na mesma reunião, como revelou o Estadão/Broadcast, o ministro da Economia reclamou que o governo federal deu bolsas em universidades para "todo mundo" por meio do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Segundo ele, que não citou detalhes ou provas, até quem não tinha a "menor capacidade" e "não sabia ler nem escrever" entrou na graduação por esse caminho. Guedes disse que o filho do seu porteiro foi beneficiado mesmo após zerar o vestibular, ainda que o programa tenha exigências de nota mínima para aprovar o financiamento.
Desavença
O desacerto entre Guedes e Marinho é conhecido e antigo. O ministro da Economia acusa o colega de Esplanada de ser "fura-teto", em referência ao teto de gastos (regra que limita o avanço das despesas à inflação), e já o comparou a um "batedor de carteira" por querer ampliar investimentos com recursos públicos.
Nos bastidores, fontes do Palácio do Planalto não descartam que, nos vetos do Orçamento, Guedes tenha aproveitado para fustigar Marinho e zerou uma série de programas estratégicos do MDR, como a construção de casas para famílias de baixa renda no âmbito do Casa Verde e Amarela. A pasta de Marinho havia sido a maior beneficiada pelas emendas parlamentares, mas acabou também sendo o maior alvo dos cortes. Foram R$ 8,646 bilhões vetados e mais R$ 827,2 milhões bloqueados.
Como revelou o Broadcast, a ala política do governo já articula com o Congresso Nacional a recomposição de cerca de R$ 2,5 bilhões que foram cortados de investimentos e ações que são vitrine eleitoral no Orçamento de 2021. Marinho seria contemplado com essa manobra, que seria feita por meio de um novo corte em despesas obrigatórias no projeto de lei enviado pelo próprio governo para desfazer a "maquiagem" feita nesses gastos pelos parlamentares.
O tema foi discutido em um café da manhã na última quarta (28) no Palácio do Alvorada entre o presidente Jair Bolsonaro e alguns ministros da ala política. Depois de bater o pé em defesa do ajuste no Orçamento, que resultou no corte de R$ 29 bilhões entre vetos e bloqueios, Guedes foi deixado de fora do encontro.