Por Catarina Demony e Eduardo Simões
LISBOA/SÃO PAULO (Reuters) -O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), confirmou nesta sexta-feira ter tido uma conversa com o senador Marcos do Val (Podemos-ES) na qual o parlamentar lhe relatou ter participado de reunião com o ex-presidente Jair Bolsonaro onde lhe foi proposto que gravasse o magistrado.
Mas Moraes disse que o parlamentar se recusou a formalizar em depoimento a denúncia de que teria recebido durante o encontro uma proposta para participar de um eventual plano golpista.
"Eu indaguei ao senador se ele reafirmaria isso e colocaria no papel, que eu tomaria imediatamente o depoimento dele. O senador me disse que isso era uma questão de inteligência e que infelizmente não poderia confirmar. Então eu levantei, me despedi do senador, agradeci a presença, até porque o que não é oficial, para mim não existe", disse o ministro durante participação por videoconferência em conferência de negócios do Grupo Lide realizada em Lisboa.
"A ideia genial que tiveram foi colocar uma escuta no senador para que o senador, que não tem nenhuma intimidade comigo --conversei exatamente três vezes na vida com esse senador--, pudesse me gravar e, a partir dessa gravação --e aí é até onde chegou ao senador--, pudesse solicitar a minha retirada da presidência dos inquéritos", acrescentou.
Em entrevista à CNN Brasil nesta sexta-feira, Do Val negou que Moraes tenha pedido para ele formalizar o relato da reunião com Bolsonaro e Silveira. Disse também que pedirá à Procuradoria-Geral da República (PGR) para afastar o ministro do Supremo da relatoria do inquérito dos atos antidemocráticos, que investiga Bolsonaro e aliados.
"Não são verídicas as recentes declarações do ministro Alexandre de Moraes quando diz que me orientou para que as informações sobre a reunião com Daniel Silveira e o ex-presidente Jair Bolsonaro fossem formalizadas", disse o senador, lendo uma nota, que disse que irá divulgar em suas redes sociais.
"Em nenhum momento recebi orientações do ministro para fazer a referida formalização. Portanto, não fui orientado para formalizar absoluta nada, nem por respostas a mensagens que enviei, e nem pessoalmente durante o encontro que tivemos", acrescentou.
Do Val disse ainda que ira apresentar uma "solicitação para a PGR afastar o ministro Alexandre de Moraes da relatoria referente aos atos antidemocráticos".
Na quinta-feira, a revista Veja publicou reportagem afirmando ter tido acesso a mensagens que comprovariam um encontro em dezembro de Do Val com Bolsonaro e com o então deputado federal Daniel Silveira no Palácio da Alvorada, no qual Bolsonaro teria proposto a Do Val, segundo o próprio senador, que ele gravasse uma conversa com Moraes sem o conhecimento do ministro, na tentativa de que o magistrado dissesse algo comprometedor que pudesse levar a uma tentativa de prendê-lo e anular a eleição presidencial de outubro.
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Moraes comandou o processo eleitoral de outubro.
Segundo a revista, Do Val relatou o episódio a Moraes e, posteriormente, recusou a proposta de gravar o ministro.
Também na quinta, Do Val confirmou ter se reunido com Bolsonaro e Silveira, mas disse que a proposta de gravar Moraes partiu do então deputado federal, e que Bolsonaro apenas a ouviu em silêncio. A Veja, no entanto, divulgou o que afirma ser áudio de uma entrevista com Do Val na qual ele relata que ouviu os detalhes da trama diretamente da boca do ex-presidente.
O senador também disse ter se reunido com Moraes antes do encontro com Bolsonaro e Silveira para dizer que havia sido chamado a conversar com ambos e que o ministro o teria encorajado a ir à reunião para colher informações.
Indagado sobre este suposto primeiro encontro com Do Val, Moraes negou que ele tenha ocorrido.
"A conversa que eu tive com ele foi a que eu anteriormente transcrevi", disse Moraes.
DEPOIMENTO
Em depoimento que prestou à PF na quinta-feira por ordem de Moraes, Do Val repetiu a trama segundo a qual Silveira usaria o material da gravação da fala de Moraes para tentar anular a eleição, manter Bolsonaro no cargo e buscar a prisão de Moraes.
O senador disse que, em nenhum momento, o ex-presidente negou o plano ou mostrou contrariedade ao plano, mantendo-se em silêncio, segundo o depoimento.
À PF, ele fez um recuo, negando o conteúdo da reportagem da revista no qual relata que houve coação do ex-presidente para tentar desacreditar Moraes. Do Val disse que extrapolou sua fala à revista porque estava com raiva dos ataques que estava sofrendo de bolsonaristas.
(Reportagem de Catarina Demony, em Lisboa, e de Eduardo Simões, em São Paulo;Reportagem adicional de Ricardo Brito, em Brasília, e Alexandre Caverni e Fernando Cardoso, em São Paulo;Edição de Roberto Samora e Pedro Fonseca)