Estudo feito por pesquisadores da Bahia concluiu que a pobreza pode reverter décadas de avanço no combate à aids no Brasil. Isso porque a doença já afeta muito mais os indivíduos pobres, pretos e com baixa escolaridade e, especialmente, os analfabetos.
O trabalho foi desenvolvido pelo grupo DSAIDS (Determinantes Sociais do HIV/Aids), com pesquisadores do ISC-Ufba (Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia), do Cidacs/Fiocruz Bahia (Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde), da Uefs (Universidade Estadual de Feira de Santana) e de universidades internacionais.
Os pesquisadores avaliaram dados de 28,3 milhões de brasileiros ao longo de 9 anos. Cruzaram registros do Cadastro Único, que abrange mais de 100 milhões de brasileiros e mapeia famílias de baixa renda, com informações dos sistemas de vigilância em saúde do SUS.
O objetivo era analisar os efeitos das condições de vulnerabilidade socioeconômica, como renda, raça/cor da pele e escolaridade, sobre o risco de desenvolver aids e de morrer pela doença. Os dados incluem a população brasileira de baixa renda.
“Os indivíduos mais vulneráveis socialmente têm maior risco de adoecer e morrer por aids, com destaque para os riscos de evoluir a óbito. Os analfabetos apresentam risco de morrer por aids quase 3 vezes maior do que aqueles com nível superior. Já os pretos têm risco quase duas vezes maior de morte do que os brancos. Aqueles com menor renda têm risco de morrer duas vezes maior do que os considerados de maior renda”, diz a pesquisadora Iracema Lua, uma das participantes do trabalho.
“A doença hoje se disseminou na população de baixa renda. Apesar de o HIV atualmente ser controlável, essa população fica mais doente e morre mais”, afirmou o infectologista David Lewi, do Hospital Israelita Albert Einstein.
Segundo os autores, o resultado chama a atenção porque o Brasil tem um programa universal e gratuito no combate à aids, que sempre foi considerado referência mundial, com testes rápidos e medicamentos disponíveis nas unidades de saúde. No entanto, as barreiras socioeconômicas afastam uma parcela da população brasileira a esses tratamentos.
“Há diversas barreiras sociais, econômicas, culturais e geográficas que levam a um maior risco de contaminação e dificultam a detecção e o tratamento precoce da doença”, declarou Iracema Lua.
“Por exemplo, as ações de educação em saúde sobre as medidas de prevenção e a importância dos testes não chegam de forma efetiva para os grupos mais vulneráveis, que acabam tendo um diagnóstico tardio, além das dificuldades de acesso e de continuidade do cuidado, incluindo menores possibilidades de adesão ao tratamento, que também envolvem questões socioeconômicas”, diz a pesquisadora.
Prevenção e medicamentos
Isso também se reflete na PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), que consiste em medicamentos comprovadamente eficazes na prevenção da infecção pelo vírus em indivíduos que apresentam comportamento sexual de risco. A PrEP é indicada para pessoas em situação de vulnerabilidade e pode ser utilizada diariamente ou sob demanda.“Apesar de os remédios estarem disponíveis na rede pública, observamos que quem mais procura são pessoas de alta renda”, disse o infectologista Lewi. Atualmente, há 68.283 usuários em PrEP no Brasil e 72% têm no mínimo 12 anos de escolaridade e mais da metade são brancos, segundo dados do Ministério da Saúde.
“É preciso investimentos para reduzir as desigualdades sociais e políticas públicas para expandir o acesso à saúde aos mais vulneráveis. Sem isso, corremos o risco de que o aumento na pobreza possa reverter décadas de progresso na luta contra o HIV/aids no Brasil”, disse a pesquisadora.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), aproximadamente 39 milhões de pessoas vivem com o HIV (o vírus que pode causar a aids) em todo o mundo. No ano passado, 1,3 milhão de pessoas foram infectadas.
No Brasil, de 2007 a junho de 2022, foram notificados 434.803 casos de infecção pelo HIV. No entanto, nos últimos anos, houve queda de 11,1%. Em relação à aids, o país registrou um total de 1.088.536 casos de 1980 a 2022, com uma média de 36.400 novos casos da doença a cada ano.
A mortalidade também diminuiu ao longo dos anos, passando de 5,6 para 4,2 óbitos por 100 mil habitantes de 2011 a 2021, de acordo com boletim epidemiológico do Ministério da Saúde.
Com informações da Agência Einstein.