Aliados do presidente Jair Bolsonaro pressionam o governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), a escolher nomes da ala ideológica para postos considerados estratégicos. O grupo já fez do deputado federal Capitão Derrite (PL-SP) o preferido de Tarcísio para comandar a Secretaria da Segurança Pública e agora foca em áreas-chave para a pauta conservadora de costumes, como cultura, mulher, família e direitos humanos. A ideia é manter a militância ativa no "bolsonarismo raiz".
O ex-ministro decidiu blindar de indicações políticas os setores ligados à infraestrutura - sua área de origem -, como transporte, logística e habitação, além de saúde e educação. Nomes já foram anunciados para as pastas, e o homem-forte da próxima administração na articulação política será Gilberto Kassab, presidente do PSD e futuro secretário de Governo.
Enquanto seleciona perfis técnicos para as principais secretarias, Tarcísio debate o desenho das estruturas associadas à chamada "pauta de costumes". Nesta terça-feira, 29, o governador eleito anunciou, por exemplo, a criação de uma pasta dedicada a políticas para mulheres - uma promessa de campanha. A deputada federal bolsonarista Rosana Valle (PL-SP) deve chefiar o órgão, mas ela poderá estar acompanhada nesta empreitada.
Segundo pessoas próximas do governador eleito ouvidas pelo Estadão, uma das possibilidades apresentadas a Tarcísio é incluir a estrutura de "Família" na mesma pasta que deverá ficar com Rosana. Na semana passada, ao tratar do organograma do governo, Tarcísio falava em missões. "O que vai ter é remanejamento de áreas ou até mudanças de nome. Quem define a estrutura é a missão", disse. "Você tem de remanejar e até ter secretarias, como foi prometido a Secretaria da Mulher, mas será outra, transformada."
Nesta semana, o assunto chegou a ser discutido em uma reunião com técnicos do Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos, que atuam no "fortalecimento de vínculos" da família. O governador eleito disse em conversas reservadas que avalia replicar em São Paulo o modelo de organização da pasta, traçado em 2019 por Bolsonaro. A proposta é bem recebida por apoiadores do presidente e evangélicos aliados. Sob o comando da ex-ministra Damares Alves, o Ministério atuou na pauta antiaborto e em defesa do homeschooling.
Perfil moderado
Já para a Cultura, o governador eleito quer escolher um secretário com perfil moderado e com trânsito no setor. Tarcísio pretende se reunir com entidades e representantes da área antes de bater o martelo. O objetivo é encontrar um nome que não seja frontalmente rejeitado pela classe artística e ao mesmo tempo tenha respaldo dos bolsonaristas.
O ator Odilon Wagner, vice-presidente da Associação dos Produtores de Teatro Independentes (APTI), coordena a área na transição, mas há mais nomes na mesa para comandar a pasta, que em 2022 teve um orçamento de R$ 1,2 bilhão. O atual secretário especial de Cultura do governo federal, Hélio Ferraz, é o preferido do ex-secretário Mário Frias, que tem o respaldo do clã Bolsonaro. Advogado de formação, Ferraz foi produtor-executivo de um game-show do agora deputado eleito chamado A Melhor Viagem, anterior à entrada de ambos no governo.
Esse seria o pior cenário para a classe artística, e Tarcísio já está ciente. Por isso, o presidente do Instituto Brasileiro de Museus, vinculado ao Ministério do Turismo de Bolsonaro, Pedro Mastrobuono, ganhou força. Há, porém, setores bolsonaristas que já estão em campanha contra ele. Corre por fora a cineasta Paula Trabulsi com apoio do ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, que é próximo ao sócio dela, o ex-secretário de Cultura da capital André Sturm.
'Tragédia'
O secretário de Cultura do Estado, Sérgio Sá Leitão, já apresentou o primeiro relatório sobre a pasta para a equipe de transição. De acordo com ele, será uma "tragédia" se o sucessor for um bolsonarista radical. "O setor quer que essas forças destrutivas, que infelizmente produziram tantos danos no plano federal, permaneçam longe de São Paulo", disse ao Estadão.
Artistas e entidades ligadas ao setor temem que a escolha de um secretário alinhado ao presidente comprometa o perfil independente dos quatro programas de fomento da cultura paulista: Proac ICMS, Proac Editais, Cultura Viva e Difusão Cultural. Juntos, esses programas injetaram R$ 273 milhões em produções neste ano - a escolha dos beneficiários foi feita por comissões com a participação de entidades e servidores.
A comissão do Proac ICMS, que é a versão paulista da Lei Rouanet, alvo de ataques de bolsonaristas, tem mandato de dois anos e é constituída por 14 membros. São sete indicados por entidades, como a APTI e Sindicato da Indústria Audiovisual, e sete servidores da pasta. "São Paulo foi a antítese do governo federal na área de cultura nos últimos 4 anos. Lá os mecanismos de fomento foram reduzidos e as entidades degradadas e aparelhadas. Aqui foi o oposto", disse Sá Leitão.
A assessoria de imprensa do governador eleito afirmou, em nota, que ainda não há definição sobre o novo secretário de Cultura e sobre a estrutura da Secretaria da Mulher. "Discussões sobre escopo da Secretaria da Mulher estão em andamento e serão definidas tendo em vista a melhor forma de contemplar as necessidades das mulheres no Estado. Indicações para cargos no governo estão sendo recebidas e serão acatadas desde que cumpram os requisitos estabelecidos, que são reputação ilibada e capacidade técnica."
Como mostrou o Estadão, outra vitória do grupo que defende a "pauta de costumes" foi a indicação do deputado federal Roberto de Lucena (Republicanos) para a secretaria de Turismo de São Paulo. O parlamentar, que é pastor da Igreja o Brasil para Cristo, é o primeiro evangélico que ocupará alto escalão do governo e também a primeira indicação do Republicanos.