A cada ano, pelo menos 20 chacinas ou ocorrências em que são registradas 3 ou mais mortes são registradas na região metropolitana de São Paulo. É o que mostra levantamento conduzido pela cientista social Camila Vedovello. De 1980 a 2020, foram 828 homicídios múltiplos nas cidades que compõem a região metropolitana, que inclui a capital, segundo o estudo.
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Só no ano de 2015, quando ocorreram os episódios conhecidos como chacinas de Osasco e de Barueri e a do Pavilhão 9, foram ao menos 15 desses casos de janeiro a outubro, no Estado. Outros momentos com grande número de chacinas, disse a cientista e pesquisadora, foram em 2006, quando ocorreram os chamados Crimes de Maio, e em 2012.
“Depois de 2006, tivemos o ano de 2009, com 15 chacinas. Em 2012, teve 24 chacinas. Em 2015, foram 19. E aí elas vêm diminuindo ao longo do tempo”, afirmou Camila.
O levantamento feito por Camila Vedovello foi apresentado em sua tese de doutorado, defendida recentemente no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. O trabalho não inclui o episódio de julho e agosto de 2023 na Baixada Santista, no litoral paulista, durante a Operação Escudo.
“No final de julho, tivemos a Operação Escudo, que diversos setores da sociedade estão chamado de chacina. Essa Operação Escudo aparece como chacina policial, muitas vezes, nas falas de defensores de direitos humanos e de estudiosos do tema de segurança pública. E temos visto também muitas chacinas ocorrendo na Bahia. Mas há uma diferença porque as chacinas que pesquisei eram, em sua maioria, ocorrências quando os agentes de segurança pública estavam de folga ou fora de serviço. Essa era a ilegalidade. Não existia essa ideia de que uma operação vitimasse tantas pessoas”, disse Vedovello.
Segundo Camila, as chacinas não são exceção e atingem principalmente jovens negros e que vivem em periferias: “Elas ocorrem em territórios periféricos, onde há maior concentração de população negra. Essas chacinas são feitas em espaços públicos na maioria das vezes, como becos, vielas, ruas e locais de sociabilidade urbana como padarias, pizzarias e bares”.
MODUS OPERANDI
Segundo Camila, os episódios analisados em sua tese não estão relacionados, mas apresentam características muito semelhantes entre si: “Apesar de cada chacina ter sua própria dinâmica, existem questões que são semelhantes dentro do que considerei como modus operandi das chacinas. Dentro desse modo de agir, identifiquei que existe uma cena de chegada. Então, as pessoas que vão executar as chacinas chegam geralmente em motos ou em carros, ou em carros acompanhados por motos. Existe também um componente estético, que é o uso de capuz, coturno e toucas ninja”.
No caso em que envolve agentes públicos, a motivação principal costuma ser a vingança estatal. “Quando um policial é ferido ou morto em determinado território é perceptível que pode acontecer uma chacina”, disse Camila. Quando envolve só civis, a motivação pode envolver disputas por mercados criminais.
Para o presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), André Leão, as chacinas muitas vezes estão relacionadas à letalidade policial. “Temos um problema crônico no país. O Brasil é um país onde, de certa forma, as chacinas são aceitas e, sobretudo, quando ela ocorre com grupos sociais já vulnerabilizados. Essas chacinas, em geral, atingem pessoas negras e da periferia. Portanto, percebemos um recorte de classe e de raça muito evidente no destinatário dessas chacinas provocadas por atividade policial. Isso precisa ser amplamente debatido na sociedade e precisamos retomar um patamar de democracia, de Estado Democrático de Direito, onde a atividade policial é regulamentada dentro do direito”, afirmou Leão.
Segundo Leão, só em 2022, mais de 6.430 pessoas foram mortas no Brasil em decorrência da atividade policial, o que dá uma média de 17 civis mortos por dia por agentes do Estado: “Estamos falando de números estratosféricos. Esse número é absolutamente inaceitável”.
CONTROLE
Para a pesquisadora da Unicamp, o número de execuções sempre pode aumentar quando não é feito o controle adequado das polícias.
“Um controle maior da ação policial ou um controle efetivo da ação policial e o uso de câmeras nas fardas diminuiria a letalidade policial, embora nas chacinas extra-legais as pessoas estejam fora de serviço”, afirma.
Outra forma de combate às chacinas seria maior elucidação dos casos, punição dos responsáveis e uma revisão da política de segurança pública.
“O que é uma política de segurança para todos? Se uma polícia efetiva uma série de execuções e isso é chamado de operação, a política de segurança pública não está dando conta do que seria uma segurança efetiva para todos”, segundo Vedovello.
De acordo com o presidente do CNDH, a melhoria desses números passa por uma revisão da atuação da polícia e do sistema penitenciário brasileiro, pelo enfrentamento ao racismo estrutural e pela efetivação de um sistema único de segurança pública – já previsto em lei. Ele também afirma que uma política de segurança pública deve, inicialmente, pensar em prevenir a violência: “A letalidade policial, como regra, deve ser evitada ao máximo. Existem parâmetros internacionais de proteção dos direitos humanos que regulamentam a atividade policial e o uso progressivo da força”.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que “investe permanentemente no treinamento das forças de segurança e em políticas públicas para reduzir as mortes em confronto, com o aprimoramento nos cursos e aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo”.
De acordo com a secretaria, “os números de mortes decorrentes de intervenção policial indicam que a causa não é a atuação da polícia, mas sim a ação dos criminosos que optam pelo confronto, colocando em risco tanto a população quanto os participantes da ação”. Uma Comissão de Mitigação e Não Conformidades analisa todas as ocorrências de mortes por intervenção policial e se dedica a ajustar procedimentos e revisar treinamentos.
Com informações da Agência Brasil.