Por Débora Ely
PORTO ALEGRE (Reuters) - O vaivém de barcos de resgate às vítimas da enchente sob um viaduto na Avenida Cairu, uma via comercial da zona norte de Porto Alegre transformada em rio pela cheia histórica, começou a diminuir pouco antes das 18h de terça-feira, assim que o sol se pôs na capital gaúcha.
Os relatos de saques a lojas e casas e ataques a embarcações de resgate na área fizeram com que voluntários desistissem de incursões de socorro à noite.
“Estamos deixando de fazer o trabalho por causa disso. De noite, só com escolta, porque o risco está ficando insustentável”, disse à Reuters o voluntário Lauro Strogulski Júnior, de 50 anos, que presenciou a prisão de um homem no domingo, após um saque a um supermercado no bairro Humaitá.
Dezenas de policiais civis e militares foram acionados para o monitoramento do local, que também tinha carros da Polícia Federal e da Força Nacional. Uma equipe do Batalhão de Choque patrulhava as águas em um barco, e ao menos um agente acompanhava, em jet ski, os socorristas que ainda saíam para resgates.
“De noite está bem complicado. Estão passando endereços errados de resgate para assaltar”, contou Fabiano Vargas, de 42 anos, antes de embarcar para um socorro noturno.
Os relatos de roubos adicionaram insegurança ao trabalho de voluntários e medo aos moradores, que resistem em deixar suas casas pelo temor de furtos. Há relatos de ocorrências não só na capital, mas também em Canoas, Eldorado do Sul, Novo Hamburgo e São Leopoldo. O policiamento em pontos de socorro tem sido reforçado.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, pediu ao Ministério da Justiça mais homens da Força Nacional, e o seu efetivo no Estado deve ultrapassar 400. O governo federal também enviou agentes da Polícia Federal. Leite ainda cancelou férias e licenças de policiais, liberou horas extras e convocou militares da reserva para ampliar o patrulhamento nas cidades arrasadas pelos alagamentos.
“Manteremos a ordem no Estado e vamos prender e dar consequência para todos aqueles que usam um momento dramático como esse para aplicar golpes ou praticar crimes”, afirmou o governador à imprensa.
O secretário da Segurança Pública gaúcho, Sandro Caron, prometeu, em entrevista à Rádio Gaúcha, “prender todo mundo” que está praticando furtos, assaltos e arrombamentos.
A Brigada Militar confirmou, até o momento, a prisão de 36 pessoas: 32 por tentativas de saques e roubos e quatro por suspeita de estupros em alojamentos.
Grupos de WhatsApp que mobilizam donativos e resgates têm disparado uma série de alertas sobre episódios de abusos em abrigos, que estão sendo investigados -- parte das suspeitas já foi descartada.
Na manhã desta quarta-feira, a Polícia Civil prendeu um homem em Viamão pelo estupro de uma menina de 6 anos que havia sido resgatada sem os pais. Voluntários pedem que pessoas que atuam nos locais de acolhimento dos desabrigados monitorem os banheiros 24 horas por dia e solicitam o reforço de segurança masculina nos locais.
Também há casos de outros distúrbios, como presos que tentaram formar facções dentro de um dos abrigos em Guaíba, controlando o acesso a banheiros e alimentos, segundo relato do prefeito do município, Marcelo Manata, ao ministro da Comunicação Social, Paulo Pimenta.
"Não é possível a gente assistir isso tudo calado. É preciso que tenha um reforço para poder de forma exemplar identificar e responsabilizar quem está cometendo crime, seja ele digital, seja ele no dia a dia", disse Pimenta a repórteres.
Os criminosos têm se aproveitado do breu nas cidades sem energia elétrica e do esvaziamento de bairros inteiros para cometer furtos. Inúmeros vídeos nas redes sociais capturaram casos de violência. Um deles, no bairro Mathias Velho, em Canoas, registrou barulhos de tiros no bairro Mathias Velho, em Canoas, na noite de domingo.
Outras imagens mostram saques a uma loja na Arena do Grêmio e a um supermercado, na capital, além da prisão de dois homens com sangramentos na cabeça por uma suposta tentativa de roubo. Nesta filmagem, uma pessoa exibe uma arma e diz “se tem, não dá para deixar em casa, tem que usar”.
Policiais disseram à Reuters que boatos compartilhados nas redes sociais e no boca a boca têm agravado a insegurança da população. Um deles diz que falsos agentes da Defesa Civil estão batendo em casas e apartamentos no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, para assaltá-los; suspeita descartada pelo batalhão responsável pela área.
Uma mensagem, ainda não confirmada, afirma que pessoas estão pedindo a entrega de marmitas em endereços remotos para roubar carros e pertences de voluntários.
"Estamos com oito investigações em andamento apurando esses casos em que as pessoas estão disseminando pânico, 'fake news', e, ao mesmo tempo, usando essa crise humanitária que vivemos hoje para auferir lucros financeiros", informou o delegado Fernando Sodré, chefe da Polícia Civil, em vídeo nas redes sociais.
(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu, em Brasília)