Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - O Senado aprovou nesta quarta-feira a indicação de Augusto Aras para comandar a Procuradoria-Geral da República pelos próximos dois anos, após uma longa sabatina na qual negou alinhamento com o presidente Jair Bolsonaro, e tratou de Lava Jato, índios e lista tríplice do Ministério Público, entre outros pontos.
No plenário, Aras teve seu nome aprovado pelo voto favorável de 68 senadores, enquanto 10 votaram contra.
Durante a série de perguntas de senadores na Comissão de Constituição e Justiça, Aras defendeu que a operação Lava Jato e outras investigações passem por "correções" internamente no Ministério Público Federal.
"Nós sabemos que era muito mais fácil nós evitarmos as dificuldades que tivemos com a Lava Jato se nós tivéssemos tido certos cuidados, cuidados da lei", afirmou.
Para ele, a Lava jato poderia ter sido aprimorada se tivesse "cabeça branca", referindo-se a membros mais experientes. Dentre as críticas à operação, citou, o prolongamento de prisões provisórias, atitude que não seria "razoável" e que atentaria contra o código processual.
"Se houvesse lá alguma cabeça branca que dissesse para ele e para os colegas jovens como ele, que nós poderíamos ter feito tudo como ele fez, mas com menos holofote, com menos ribalta, com menos curso, posto de outra forma, nós poderíamos ter feito tudo do mesmo jeito", opinou, referindo-se a Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, a quem atribui um "grande trabalho".
Dallagnol foi alvo de vazamento de supostas mensagens suas que mostrariam uma coordenação dele e outros procuradores da Lava Jato com o então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública.
Mais cedo, Aras havia destacado que a Lava Jato era um marco no combate à corrupção no país. Frisou, sem citar nomes, que o mérito individual de procuradores deverá ser reconhecido, mas também defendeu, em diversos momentos, que seja seguido o princípio da impessoalidade.
Para o novo procurador-geral, membros do Ministério Público devem se utilizar da liberdade de expressão com "recato" e "urbanidade", principalmente nas redes sociais.
Quando falava sobre o princípio da impessoalidade na CCJ, Aras criticou iniciativa encabeçada pela força-tarefa da Lava Jato de criar um fundo de 2,5 bilhões de reais com recursos de multas pagas pela Petrobras (SA:PETR4).
"Ainda no plano da unidade institucional, jamais, não fosse o corporativismo, teríamos a pretensão de membros do Ministério Público de criar uma fundação particular para gerir 2,5 bilhões de reais de dinheiro público... isso seria impensável", apontou.
"Eu não posso acusar aqui de má-fé ninguém. É só uma disfuncionalidade grave do sistema, porque quem gere fundos é o Poder Executivo, de regra."
"ÍNDIO PODE SER RICO"
Aras defendeu na sabatinam que a Constituição permite que populações indígenas explorem economicamente seus territórios, e possam ser remunerados por isso.
"Nosso grande problema nessa região amazônica, em que nós temos praticamente as terras raras, os minérios estratégicos todos dentro das empresas, dentro das reservas indígenas, é buscar o caminho do meio. Esse é o desafio", afirmou.
"Índio também pode ser rico, como nos Estados Unidos da América."
A exploração das terras indígenas é uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro.
Mas, em mais de um momento, Aras garantiu que não faltará independência em sua atuação, destacando as garantias constitucionais que o cargo dispõe e negou qualquer alinhamento com o presidente.
"Eu posso reafirmar a Vossa Excelência que eu não tenho nenhum programa de alinhamento nem com o senhor presidente da República, nem com nenhuma autoridade, nem com nenhuma instituição. O meu dever é a Constituição", disse ao senador Lasier Martins (Podemos-RS).
LISTA TRÍPLICE E FAMÍLIA
Em diversos momentos, Aras também desferiu duras críticas à tradicional lista tríplice do Ministério Público, que, na sua opinião, ao mesmo tempo em que atrapalha a unidade da instituição, reflete corporativismo dos procuradores.
"Então, o corporativismo que a lista tríplice trouxe a partir de 2003 é exatamente aquele que atomiza, que faz com que cada membro do Ministério Público seja um Ministério Público", disse.
"É a lista tríplice que faz com que se alimente essa conduta de promover o clientelismo, promover o fisiologismo, promover o toma lá, dá cá em uma instituição que não pode agir assim. É uma instituição que deve ser regida pelo mérito da carreira, que deve ser regida pela observância da Constituição e das leis do país."
Desde 2003, os presidentes vinham escolhendo para procurador-geral da República um dos integrantes da lista tríplice, que é votada pela categoria. A escolha de Aras por Bolsonaro rompeu com essa tradição.
Num dos raros momentos tensos, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) questionou se Aras reconhecia sua família como família e se estava doente. A pergunta foi motivada pelo fato de o subprocurador ter se comprometido com uma série de valores cristãos constantes em carta da intitulada Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que apoiou a indicação para a PGR.
Primeiro senador homossexual assumido, casado, Contarato questionou o item 7 da carta em que consta que a instituição familiar "deve ser preservada como heterossexual e monogâmica".
Aras justificou-se ao dizer que não tinha lido a carta da entidade.
"Imediatamente não li aquela pauta, depois, cobrado, fui ler. O item 7, que o senhor se refere, realmente tem um ponto que está superado pelas decisões do Supremo Tribunal Federal. Quero jamais dizer a Vossa Excelência que não tenha família, isso não passa pela minha cabeça. Eu não posso deixar de compreender todos os fenômenos sociais, humanos. Posso dizer que respeito muito Vossa Excelência, tenho amigos e amigas que têm o casamento homoafetivo", disse, complementando que não acredita em "cura gay".
EXCLUDENTE DE ILICITUDE
Sobre a prisão em segunda instância, Aras afirmou que ela deve ocorrer, mas desde que seja resguardado o direito a recursos e habeas corpus.
Sobre outro tema polêmico, que diz respeito ao excludente de ilicitude, o indicado argumentou que embora já esteja prevista no Código Penal, e apesar de considerar não haver necessidade de novas regras, irá prevalecer a vontade do Congresso em relação ao tema.
Aras afirmou ainda que o Ministério Público deve zelar pelas minorias.
Questionado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) sobre como definiria o golpe de 1964, Aras afirmou que talvez não fosse "adequado" classificá-lo como "golpe" ou como "revolução".
"O movimento de 1964 teve apoio da família brasileira, teve o apoio da Igreja Católica brasileira. Ele foi gestado dentro do Congresso Nacional", afirmou.
"E, se houve revolução, podemos dizer que foi uma revolução civil, porque ela foi protagonizada pela sociedade civil e por membros do Congresso Nacional, presidente da Câmara e presidente do Senado, que deu posse. Inclusive houve a declaração de vacância de um cargo de um presidente que estava voando para o Rio Grande do Sul, não fugindo do Brasil, como dito na época. Então, essa é uma questão nebulosa."