Pesquisadores do HCFMRP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP (Universidade de São Paulo), na Divisão de Neurocirurgia, criaram uma simulação ultrarrealista para melhorar as habilidades dos médicos em cirurgias do crânio. O projeto proporciona aos neurocirurgiões a oportunidade de praticar, aprender e planejar cirurgias complexas de forma segura e realista.
O doutorando Rodrigo Pongeluppi tomou como base a cirurgia para a remoção do schwannoma vestibular, um tumor que afeta o equilíbrio e a audição à medida que cresce na base craniana. Na maioria dos casos, esse tumor não é canceroso e não se espalha para outras partes do corpo. No entanto, devido aos sintomas e à pressão que pode exercer sobre o cérebro, ele pode ser removido.
Por ser um tumor grande, cuja retirada ocorre através de um acesso estreito e profundo, a cirurgia é bastante delicada, como ele detalha ao Jornal da USP. “O acesso é feito próximo aos seios venosos. Existe um risco grande de sangramento, que aumenta o risco do procedimento, e o risco de lesão relacionado à secção do tumor, que fica no meio dos nervos cranianos”.
Para simular a operação, a inovação une um modelo de realidade virtual a um modelo realístico impresso tridimensionalmente em resinas, silicone e borrachas curadas de várias densidades que reproduzem diferentes tipos de tecidos. “O tumor, por exemplo, sangra e dentro do seio venoso colocamos um líquido azul, que simula sangue caso tivesse uma lesão”, conta Rodrigo Pongeluppi.
Segundo o professor Ricardo Santos de Oliveira, da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP, o aprendizado hoje depende da disponibilidade de cadáveres para estudo. “Por uma série de razões, é cada vez mais difícil o treinamento cirúrgico em cadáveres no Brasil. Por isso, o desenvolvimento desses modelos de realidade virtual e ultrarrealistas eliminam essa questão relacionada ao material humano, e eles podem ser adaptados, reutilizados”.
APRIMORAMENTO
Rodrigo Pongeluppi explica ao Jornal da USP que o modelo virtual serve para complementar alguns detalhes anatômicos de que o modelo impresso não dispõe. “O modelo de realidade virtual nada mais é do que a reconstrução de todas as partes de uma cabeça de um indivíduo que tem o schwannoma vestibular, desde a pele, osso, musculatura, cérebro, dura-máter, seios venosos e artérias, até chegar no tumor”.
Os dois modelos são fiéis às radiologias, tomografias e ressonâncias dos pacientes. Apenas a face é alterada para evitar identificação.
Com isso, é criado um modelo híbrido de realidade aumentada, que integra elementos reais a informações virtuais através de uma câmera de celular ou tablet.
O modelo virtual entra em sincronia com o modelo impresso, simulando desde a incisão da pele até a retirada do tumor. Assim, o cirurgião treina os mesmos passos que precisarão ser realizados para a retirada do tumor de verdade.
A nova abordagem pretende melhorar a formação de neurocirurgiões, fazendo com que os médicos aprendam mais rapidamente e tornando os procedimentos mais seguros. Assim que estiver totalmente desenvolvida, o conhecimento dos alunos na aplicação prática será avaliado em hospitais de ensino.
PIONEIRISMO
De acordo com o professor Ricardo de Oliveira, modelos como esse estarão cada vez mais presentes em serviços de treinamento. “O Brasil está na vanguarda desse tipo de tecnologia. Algumas empresas privadas aqui estão bastante avançadas no desenvolvimento de tecnologia da realidade aumentada, do modelo híbrido e no treinamento utilizando a tecnologia do metaverso”.
A utilização de simuladores na medicina não é uma novidade, mas o projeto é o primeiro a simular neurocirurgias da base do crânio posterior.
A neurocirurgia brasileira é altamente reconhecida internacionalmente. Em 2018, o HCFMRP realizou pela primeira vez a separação de duas gêmeas siamesas unidas pela cabeça. “Nós utilizamos naquela ocasião modelos que podiam ser operados, em que pudéssemos treinar antes mesmo da realização da cirurgia”, lembra o professor.
O trabalho tem o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e o objetivo em longo prazo é desenvolver laboratórios que consigam produzir modelos como esse. Dessa forma, eles poderão ser oferecidos aos hospitais públicos, onde há o maior número de pacientes e de serviços de treinamento.
Com informações do Jornal da USP.