O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria para que o governo apresente, em até 6 meses, um plano nacional para superar o “estado de coisas inconstitucional” no sistema carcerário brasileiro.
Até o término da sessão desta 3ª feira (3.out), 9 ministros votaram a favor das criações de planos estaduais e um nacional para promover melhorias nas prisões brasileiras. O julgamento será retomado na 4ª feira (4.out.2023) com o voto do ministro Gilmar Mendes.
Em 2015, o STF reconheceu haver violações massivas de direitos humanos no sistema penitenciário brasileiro. A decisão de reconhecer “estado de coisas inconstitucional” foi do ministro aposentado Marco Aurélio e de forma liminar (provisória), sendo validada pela Corte.
O “estado de coisas inconstitucional” se dá quando é verificado um quadro de violações generalizadas de direitos fundamentais; quando essas violações são causadas por incapacidade de autoridades públicas; e quando o Judiciário entende que precisa intervir. O conceito surgiu na Corte Constitucional da Colômbia, equivalente ao Supremo Tribunal Federal brasileiro.
A medida permitiu que a Corte determinasse, antes mesmo que isso constasse em lei, que o Judiciário fizesse audiências de custódia antes de manter prisões em flagrante. Também proibiu o contingenciamento do Fundo Penitenciário.
O julgamento do mérito da ação que trata sobre abusos no sistema carcerário é o 1º pautado pelo novo presidente do STF, ministro Roberto Barroso, no plenário da Corte.
O caso foi pautado em outras ocasiões pela ex-presidente Rosa Weber, mas não foi a julgamento em razão das análises das ações penais sobre o 8 de Janeiro.
Barroso foi o 1º a votar em razão do pedido de vista (mais tempo de análise) feito na ação em 2021. Ele acompanhou o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio de Mello, aposentado em 2021, mas com alguns acréscimos.
Em seu voto, Marco Aurélio propôs a elaboração, pelo governo federal, de um plano nacional para superar o “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário. Ele cita algumas balizas mencionadas pelo Psol na petição inicial, como a redução da superlotação dos presídios e a diminuição dos presos provisórios.
Eis as medidas determinadas pelo relator:
- que juízes e tribunais lancem, em casos de determinação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não aplicam medidas cautelares alternativas à privação de liberdade;
- que juízes e tribunais realizem, em até 90 dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão;
- que juízes e tribunais considerem, fundamentadamente, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de concessão de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal;
- que juízes estabeleçam, quando possível, penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente cumprida em condições mais severas do que as admitidas pelo arcabouço normativo;
- que a União libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional, a ser utilizado conforme a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos;
- que o Governo Federal elabore em até 3 meses o plano nacional para superar o estado de coisas inconstitucional e o coloque em execução em até 3 anos;
- que Estados e Distrito Federal formulem em até 3 meses, contados da publicação do plano formalizado pela União, planos próprios, em harmonia com o nacional, visando a superação, em 2 anos, do estado de coisas inconstitucional.
Barroso divergiu de Marco Aurélio em relação aos pedidos que tratam sobre a participação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) na elaboração e execução dos planos que devem ser apresentados pela União. Além disso, votou para determinar que o plano seja homologado pelo STF.
O presidente da Corte também defendeu que o período para que o governo apresente um plano nacional para melhoria das condições carcerárias no país seja ampliado para 6 meses.
O entendimento do presidente foi acompanhado por Cristiano Zanin, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Os ministros ainda devem definir a tese e os dispositivos que ficarão fixados sobre o tema.
VOTO DO RELATOR
Marco Aurélio votou pela procedência parcial da ação apresentada pelo Psol, estabelecendo o prazo de 3 meses para a apresentação do plano nacional pelo Poder Executivo.
Segundo o ministro aposentado, é competência do STF lidar com a questão em razão da inércia de agentes públicos sobre o tema.
“O desprestígio dos presos faz com que agentes políticos não reivindiquem recursos a serem aplicados em um sistema carcerário capaz de oferecer condições de existência digna. Essa rejeição tem como consequência direta bloqueios políticos, os quais se traduzem em barreiras à efetividade da Constituição e dos tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico”, disse.
“A intervenção judicial surge legítima presente padrão de omissão estatal, ante a situação de violação generalizada de direitos fundamentais. Verificada a paralisia dos poderes políticos, argumentos idealizados do princípio democrático fazem pouco sentido prático”.
VOTO VISTA
Segundo Barroso, o caso representa um interesse para a Corte em razão das violações de direitos fundamentais relatadas e também pelo interesse público na melhoria do sistema carcerário.
Ele afirma que grande parte dos presos cometeram crimes pequenos e que representam baixa peliculosidade e que as penas poderiam ser substituídas por outras medidas. O magistrado argumenta ainda que a prisão conjunta dessas pessoas com criminosos de alta peliculosidade pode provocar a “entrada” de um preso de 1º grau a prática de crimes mais graves.
“Grande parte dessa população não terá acesso a estudo, trabalhou ou a capacitação, portanto, permanecem na mais absoluta ociosidade. Essas pessoas não chegarão sequer a superar os valores que os levaram a delinquência. Há uma criminalização racionalidade da pobreza que se agrava na prisão”, diz trecho do voto.
Ao falar sobre a insalubridade dos presídios brasileiros, Barroso argumentou que o Estado deixa de prestar serviços básicos e a sua ausência pode provocar o crescimento de facções criminosas no país.
“As principais organizações criminosas em funcionamento no Brasil se formaram e ordenam de dentro dos presídios. Estima-se que a maior delas já se encontrava presente em 90% dos presídios em SP em 2009 e agora está em todo o território nacional. Aqueles bens que o Estado não fornece é fornecido pelas organizações criminosas. A adesão a elas pode constituir uma questão essencial para sobrevivência no cárcere“, disse.
“Isso [a ação] não diz respeito somente aos presos, que já é suficiente. Há um imenso interesse social em resolver o problema do sistema carcerário, porque o sistema carcerária realimenta o problema da segurança pública no Brasil”.
AÇÃO
O processo (ADPF 347) foi apresentado pelo Psol em 2015 e trata sobre o reconhecimento do “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro e da adoção de diversas providências no tratamento das prisões no país..
O julgamento começou em 2021, mas foi suspenso por pedido de vista (mais tempo para análise) do próprio Barroso, que devolveu os autos para julgamento em abril deste ano.
No processo, o Psol requer a elaboração de um plano de caráter nacional que possibilite a “superação das graves violações aos direitos fundamentais dos presos em todo o país”. A ação menciona a:
- redução da superlotação dos presídios;
- contenção e reversão do processo de “hiperencarceramento”;
- diminuição do número de presos provisórios;
- adequação das instalações e alojamentos dos estabelecimentos prisionais aos parâmetros normativos vigentes, no que tange a aspectos como espaço mínimo, lotação máxima, salubridade e condições de higiene, conforto e segurança;
- efetiva separação dos detentos de acordo com critérios como sexo, idade, situação processual e natureza do delito;
- garantia de assistência material, de segurança, de alimentação adequada, de acesso à justiça, à educação, à assistência médica integral e ao trabalho digno e remunerado para os presos;
- contratação e capacitação de pessoal para as instituições prisionais;
- eliminação de tortura, de maus tratos e de aplicação de penalidades sem o devido processo legal nos estabelecimentos prisionais;
- adoção de medidas visando a propiciar o tratamento adequado para grupos vulneráveis nas prisões, como mulheres e população LGBT.