O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) realizou uma cerimônia em homenagem ao ministro Raul Araújo nesta 5ª feira (5.set.2024), marcando sua última sessão plenária como integrante do tribunal. A presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, representantes do MPE (Ministério Público Eleitoral) e da advocacia estiveram presentes. Araújo conclui seu biênio como corregedor-geral da Justiça Eleitoral na 6ª feira (6.set.2024), destacando-se por suas contribuições ao sistema eleitoral brasileiro.
Durante a cerimônia, a ministra Cármen Lúcia disse ter grande admiração pelo trabalho de Araújo. “Nossos agradecimentos e nosso enorme apreço por tudo que Vossa Excelência fez, representa e continuará representando para a Justiça Eleitoral brasileira”, declarou.
Ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Raul Araújo chegou ao TSE em setembro de 2020 como integrante substituto. Tomou posse como efetivo em setembro de 2022. Em 21 de novembro de 2023, assumiu o cargo de corregedor-geral da Justiça Eleitoral. Sua passagem foi marcada por importantes contribuições à Justiça Eleitoral. Ele será sucedido pela ministra Isabel Gallotti na CGE (Corregedoria-Geral Eleitoral).
DISCURSO
Ao agradecer a todas e todos pelos 4 anos de atuação no TSE, o ministro Raul Araújo ressaltou o sentimento de saudade pelo trabalho realizado e pelas responsabilidades nos desafios assumidos no período. Deu destaque à defesa por uma atuação comedida da Corte Eleitoral, respeitando o direito de acesso à informação e não extrapolando suas funções.
“Assim, mesmo quando injustamente agredida, a Corte não deve ceder a tentações transbordantes de suas funções reguladoras, no cumprimento do fundamental papel de fortalecer a democracia”.
Eis o discurso na íntegra:
“Tudo acaba. É um velho truísmo, a que se pode acrescentar que nem tudo que dura, dura muito tempo. Inicio este breve discurso com um marcante aforismo pronunciado por Machado de Assis, uma máxima que, com o avançar de nossas vidas, se revela cada vez mais acertada e mais repetidas vezes comprovada. Lembrei e invoco agora essa reflexão filosófica do ‘bruxo do Cosme Velho’, de teor moral e prático, como forma de me apoiar, convencer e consolar de que realmente se passaram meus dois rápidos biênios como suplente e titular nesta magnífica Corte Superior Eleitoral.
“Não tem jeito, digo a mim mesmo. Querendo ou não, amanhã, dia 6 de setebro de 2024, se encerrará minha passagem pelo Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. O sentimento de saudade, que já ronda meu espírito, se justifica plenamente pelo prazeroso e relevante trabalho que aqui realizamos, todos nós, pelas importantes e graves responsabilidades que nos são atribuídas e, no meu caso, certamente pelo singular e valioso aprendizado que auferi da convivência com a plêiade de cultos e experimentados julgadores, zelosos e ilustrados procuradores do Ministério Público Eleitoral, combativos e sábios advogados, especialistas, e devotados e esclarecidos servidores autóctones. Toda essa excelência reunida nessas esplêndidas instalações e grandiosa estrutura, perfaz um ambiente empolgante, produtivo e atraente, que não se quer deixar.
“Registro orgulhoso e grato haver integrado a bancada julgadora nesses 4 anos, tendo como pares os notáveis juristas: ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André Mendonça e, mais recentemente, Cristiano Zanin, oriundos do Supremo Tribunal Federal; meus colegas do Superior Tribunal de Justiça, ministros Benedito Gonçalves, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Villas Bôas Cueva; e advogados Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Maria Cláudia Bucchianeri, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Edilene Lobo e Vera Lúcia de Araújo.
“Como órgão de cúpula da Justiça Eleitoral, tem o TSE a missão constitucional de fomentar e aprimorar a democracia brasileira. Integrante da Corte e democrata convicto, empenhei meus esforços intelectuais nessa direção, no compromisso de inabalável fé, mesmo durante os testes ácidos e os proeminentes desafios surgidos no decorrer da campanha eleitoral nacional tão disputada e acirrada como a que tivemos em 2022.
“No essencial, mesmo naquele provocante contexto, busquei sempre sustentar que, atuando nas funções reguladoras, exercendo e construindo a democracia, estávamos frequentemente a tratar das liberdades de comunicação social e de imprensa, as quais têm como supedâneo as liberdades de manifestação do pensamento e de informação. Deveríamos, então, atuar com toda parcimônia, cuidado e até timidez, traduzindo necessária contenção e devida reverência à Constituição da República, instrumento limitador das possibilidades de atuação dos poderes do Estado e assegurador de amplas liberdades e garantias aos particulares. Ao vedar toda e qualquer censura, a Carta Magna impõe, ao menos nesse tema, que cada poder atue segundo as vocações inerentes a cada um, onde o Legislativo deve atuar com vistas ao futuro; o Executivo deve agir com atenção ao presente; e o Judiciário deve operar sobre o passado.
“Assim, mesmo quando injustamente agredida, a Corte não deve ceder a tentações transbordantes de suas funções reguladoras, no cumprimento do fundamental papel de fortalecer a democracia.
“Noutro giro, passando a julgar dos colegiados específicos relevantes, os quais posso ter tido algum realce como relator, rememoro aquele em que, tratando das nulidades de votação para vereadores, inovamos na compreensão do artigo 224 do Código Eleitoral para aplicá-lo não só às eleições majoritárias, mas também às proporcionais. Então, quando a anulação de votos em ações eleitorais alcançasse mais da metade do eleitorado, novas eleições completas deveriam ser convocadas. A tese destaca o princípio ‘one man, one vote’, garantindo que todos os votos tenham o mesmo peso na formação da vontade política e na composição representativa. Rejeitou-se a ideia de renovação parcial do parlamento, ante a impossibilidade de se identificar os eleitores que anteriormente votaram em candidatos eleitos e não associados à fraude. Caso a nova eleição fosse apenas parcial, aqueles eleitores teriam a oportunidade de votar novamente, elegendo mais um representante, já que todo o eleitorado seria outra vez convocado a um segundo sufrágio parcial, produzindo-se uma representação parcial e desigual na Casa legislativa.
“Recordo mais um, quando decidimos que a contratação de impulsionamento pago de propaganda eleitoral, usando o nome de adversários como palavra-chave em sites de busca como o Google (NASDAQ:GOOGL), configura ilícito eleitoral independentemente do conteúdo positivo ou negativo da propaganda. Essa prática viola a integridade do processo eleitoral ao redirecionar eleitores para informações favoráveis ao candidato que contratou o serviço, prejudicando o adversário cujo nome fora o pesquisado. A decisão foi incorporada na resolução 23.732/2024.
“No último exemplo, trago a decisão sobre transferência de domicílio eleitoral e inelegibilidade. Estabelemos que, se a transferência não for concluída, mantém-se o domicílio original, pois a filiação partidária não precisa estar vinculada ao domício eleitoral, podendo ocorrer em qualquer esfera do partido. Também foi decidido que apenas processos administrativos disciplinares, e não simples petições ou reclamações geram inelegibilidade, em interpretação restritiva das causas condizentes com o direito sancionador.
“No último ano de meu período, fui eleito pelos colegas para ocupar o cargo de corregedor-geral da Justiça Eleitoral, na sucessão do digno e estimado ministro Benedito Gonçalves. Foram quase dez meses de muito trabalho à frente da Corregoria Geral, período no qual, em valiosa parceria com as corregedorias regionais, buscamos alcançar a excelência, promover a transparência e garantir a segurança jurídica em todos os processos e procedimentos eleitorais em nossa responsabilidade. Realizamos consultas, coletas de dados e reuniões preparatórias para o fechamento do cadastro eleitoral de 2024, com especial intensificação do atendimento do eleitorado nos dias finais do calendário eleitoral das eleições municipais de 2024. Com isso, concluímos com êxito uma tarefa tão gigantesca quanto desafiadora: o cadastramento eleitoral para as eleições municipais do corrente ano com a ampliação da identificação biométrica dos eleitores brasileiros. Para tanto, promovemos mutirões, ampliamos os canais de atendimento ao eleitor e aprimoramos os sistemas, ao tempo que capacitamos nossos servidores e intensificamos a comunicação com a sociedade, visando atrair o eleitor em cada zona eleitoral e em cada tribunal regional. Foram peças determinantes da grande engrenagem montada para o enfrentamento da extraordinária e continental operação, cada juiz e servidor da Justiça Eleitoral.
“Os números alcançados nesse redobrado esforço impressionam e evidenciam a magnitude do trabalho realizado: o eleitorado brasileiro cresceu de 156,1 milhões em 2022 para quase 159 milhões em 2024. O eleitorado com biometria aumentou 11,54% no período. Somente na última semana antes do fechamento do cadastro, realizamos mais de 2,7 milhões de operações de alistamento, revisão e transferência de eleitores. Avançamos também nas evoluções nos diversos sistemas de registros da Justiça Eleitoral. Destaco nossa participação na ação nacional de identificação civil e emissão de documentos de pessoas privadas de liberdade em parceria com o Conselho Nacional de Justica e o Pnud, com base no acordo de cooperação técnica TSE 23/2019.
“No campo regulatório, foram editados vários provimentos essenciais para o aprimoramento dos sistemas e procedimentos eleitorais. Revisamos códigos importantes, conferindo maior precisão nas anotações sobre o histórico do eleitorado.
“Realizamos inspeções nos tribunais regionais de Roraima e de Alagoas, na modalidade semipresencial. Para além dessas atividades administrativas, no âmbito jurisdicional demos prosseguimento às ações de investigação judicial eleitoral relativas às eleições presidenciais de 2018 e de 2022. Foram realizadas audiências de instrução, proferidos inúmeros despachos, decisões monocráticas e elaborados 15 relatórios e votos, os quais já aguardam pauta para julgamento do colegiado em ações de grande complexidade e importância para a jurisdição eleitoral.
“Registro nesse ponto que, como sabem, o término da minha investidura renovará a composição do tribunal. Trará como o meu sucessor um dos mais qualificados integrantes do Superior Tribunal de Justiça. Um jurista virtuoso, juiz qualificado, figura humana cativante: o culto ministro Antônio Carlos Ferreira, a quem desejo todo o sucesso e felicidade como juiz efetivo do TSE.
“Na maior parte do que expus, procurei conjugar o verbo empregando a primeira pessoa do plural. E assim o fiz para expressar desde sempre minha sincera gratidão e devido reconhecimento a todos os que, de forma individualizada ou coletiva, procurei referir e enaltecer nesta oração. É que nada do que fizemos e construímos juntos teria eu logrado realizar sem os apoios, as colaborações e as operosas e prestimosas companhias que tive ao longo dessa suave e honrosa jornada, desde aquele colaborador mais modesto até as mais elevadas autoridades com quem compartilhei a missão.
“Desde a minha chegada como membro efetivo da Corte, fui fraternalmente recebido por todos os integrantes do colegiado, diletos amigos e já inicialmente nomeados um a um. Em especial pela competente, leal e agregadora direção do então presidente e insigne ministro, Alexandre de Moraes. Contando com a sua incondicional acolhida e assentimento, graças a essas virtudes nele encontradas e as inúmeras e inestimáveis conversas que cravamos noite adentro após as sessões das terças-feiras, ornamo-nos grandes amigos.
“Numa segunda etapa veio a atual presidência da renomada ministra Cármen Lúcia, a quem tive a honra de saudar em sua posse. Naquela oportunidade, corretamente aludi tratar-se da mulher de maior prestígio da vida pública brasileira na atualidade. Desde então, apenas comprovamos sua reconhecida capacidade administrativa. Rendo à estimada presidente e amiga a minha gratidão por todas as atenções dispensadas à minha gestão na corregedoria geral e à minha presença nesse egrégio plenário.
“Não poderia deixar de agradecer também aos eminentes procurador-geral-eleitoral, querido amigo, o doutor Paulo Gonet Branco, e o vice-procurador-geral-eleitoral, outro amigo, estimado doutor Alexandre Espinoza.
“Aos ilustrados advogados eleitorais, atuantes junto à Corte, representados aqui pelo decano, doutor Fernando Neves, referindo, também, a um mais jovem, doutor Sindey Neves.
“Quase encerrando a locução, volto-me agora para todos os servidores deste Tribunal Superior, em relação aos quais expresso o mais intenso agradecimento, especialmente àqueles lotados em meu gabinete e na Corregedoria Geral, referindo por todos, as doutoras Liana Dias Dourado, assessora-chefe do gabinete, e Ariadne da Costa Noleto, secretária da Corregedoria Geral.
“Procuro, agora, palavras para expressar minha emocionada e reconhecida gratidão pelas carinhosas e generosas manifestações a mim, tão francamente dirigidas pelos queridos amigos e amigas, a ministra presidente Carmén Lúcia, o vice procurador-geral eleitoral, doutor Alexandre Espinoza, e minha querida amiga, carinhosa Maria Cláudia Bucchianeri, ex-ministra desta Corte, representando o Ibrade [Instituto Brasileiro do Direito Ambiental] e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, talentosa e celebrada advogada. Suas orações calaram fundo em meu coração, já tão repleto de amizade e afeição por vossas excelências.
“Encerrando, agradeço a todos os presentes, magistrados, membros do Ministério Público, advogados, servidores e servidoras da Corte, profissionais de impressa, e amigos estimados que aqui comparecem. Faço especial menção aos meus familiares que, de longe, acompanham esta sessão. Minha amada mãe, dona Iracema, e meu amor Mareitinha, com a presença intensa e grata em meu viver. Deus abençoe a todos. Sucesso nas eleições de 2024. Muito obrigado.”