Por Marcela Ayres
(Reuters) - A abertura do lucrativo mercado de vale-refeição no Brasil deverá ter que esperar, de acordo com pessoas familiarizadas com as discussões entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central, que discordam sobre como regular o sistema a tempo de seu lançamento programado para maio.
Empresas de tecnologia, incluindo o braço de serviços financeiros do Mercado Livre (NASDAQ:MELI) e a empresa de entrega de refeições iFood, esperam que as novas regras permitam que abocanhem uma fatia maior de um mercado de quase 150 bilhões de reais, dominado há anos por quatro grandes do setor.
Opções mais competitivas para dezenas de milhões de brasileiros gastarem seus tickets de refeição e alimentação podem prejudicar as margens de lucro da Sodexo e da Ticket, subsidiária da Edenred. A Sodexo obteve 26% de sua receita operacional do Brasil no ano passado e a Edenred, 22%, segundo apresentações para investidores.
Mas as novas regras de portabilidade, que permitem aos trabalhadores transferir seu crédito entre fornecedores, e de interoperabilidade, que abrem caminho para o gasto ser feito em qualquer restaurante participante independentemente do vale utilizado, terão que esperar até que as autoridades regulem as novidades. O Ministério da Fazenda diz que o BC tem jurisdição para tanto. Mas a autoridade monetária tem recusado a ideia, segundo fontes, resistindo a propostas iniciais e procurando manter a mão fora do segmento que não apresenta riscos sistêmicos aos olhos de seu corpo técnico.
O BC chegou a argumentar que a portabilidade gratuita exigiria investimentos em estrutura operacional de controle desses valores que poderiam criar novas barreiras para ingresso no mercado, prejudicando a concorrência em vez de ajudar, segundo duas pessoas familiarizadas com as discussões.
Uma terceira fonte disse que o BC sinalizou falta de pessoal e recursos para a nova tarefa regulatória. No ano passado, uma ruidosa greve por aumento salarial atrasou por meses a divulgação de dados econômicos e projetos prioritários na autarquia.
O impasse aumentou as tensões entre o Ministério da Fazenda e o BC, que nos bastidores já estão em alta, em meio às intensas críticas do novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao nível dos juros e à condução da política monetária.
O BC se recusou a comentar sobre sua resistência à regulamentação do mercado. O Ministério da Fazenda não respondeu especificamente sobre o tema.
INCENTIVOS FISCAIS
Desde 1976, as empresas brasileiras recebem benefícios fiscais para cobrir o custo da alimentação de seus empregados, regras que fomentaram o crescimento do mercado de tíquetes, hoje dominado pela Sodexo e Ticket junto com as rivais privadas Alelo e VR. Em 2021, o governo do então presidente Jair Bolsonaro buscou abrir o mercado com um decreto instituindo as mudanças. O Congresso apoiou a proposta com uma lei em setembro, e o Ministério do Trabalho criou uma força-tarefa em dezembro para estruturar a regulação. Mas, já sob Lula, o Ministério do Trabalho dissolveu esse grupo. O ministério disse à Reuters que tal regulamentação "extrapola suas competências" e será feita pelo Ministério da Fazenda e pelo BC. O diretor de Políticas Públicas do iFood, João Sabino, afirmou que a falta de ação do governo "é preocupante" num momento em que as empresas contam com as novas regras a partir de maio, incluindo a definição de uma câmara de compensação para amparar a portabilidade. "Só vai funcionar essa abertura de mercado se a portabilidade vier a ser estabelecida", disse Fernanda Laranja, gerente sênior de políticas públicas do Mercado Pago, unidade do Mercado Livre. "Senão a gente vai estar falando que as empresas que detêm de 85% a 90% do mercado vão continuar no poder." As vantagens das incumbentes permitem que os principais players cobrem cerca de 7% em taxas de intercâmbio para restaurantes que aceitam seus cartões de refeição, em comparação com uma média de 2% para cartões de crédito e menos de 1% para cartões de débito. Sodexo, Ticket, Alelo e VR se recusaram a comentar, encaminhando as questões à Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT). O presidente da ABBT, Alaor Aguirre, disse ser “totalmente inviável e impossível” que o setor cumpra os prazos estabelecidos na lei de 2022. Ele disse que a ABTT apoia uma única rede interoperável para todos os players credenciados, mas a integração tecnológica necessária para isso ainda nem começou. Por outro lado, Aguirre disse que a pressão por um sistema portátil que permita aos trabalhadores movimentar seu crédito entre fornecedores seria um "grande erro", aumentando os custos e convidando novos entrantes sem preocupação com a qualidade nutricional ou com a expansão adequada da rede de restaurantes credenciados.