Por Adam Jourdan e Eliana Raszewski e Anna-Catherine Brigida
BUENOS AIRES (Reuters) - O candidato libertário de extrema-direita Javier Milei chocou a Argentina ao ser o mais votado nas eleições primárias do país, no domingo, levantando uma pergunta crucial e que será respondida até outubro: ele conseguirá êxito nas eleições gerais, quando tentará ser eleito presidente?
Nas primárias, todos os candidatos competem entre si. Por esse motivo, elas são consideradas um bom indicativo dos ventos políticos antes da eleição. Milei ficou com 30% dos votos, pouco à frente do bloco conservador, com 28%, e dos peronistas da centro-esquerda, com 27%.
O ativista e economista, cuja espalhafatosa campanha guarda semelhanças com os comícios do ex-presidente norte-americano Donald Trump, tenta alterar a correlação de forças políticas na Argentina. Entre suas propostas, está o fechamento do Banco Central, a dolarização da economia e um corte agudo nos gastos públicos.
O desafio no dia 22 de outubro, contudo, será imensamente maior do que o de domingo. A abstenção foi recorde nas primárias, quando parte dos eleitores decidiu realizar um voto de protesto contra os grupos políticos tradicionais. A eleição pode ainda ter um segundo turno em novembro, e as tendências observadas nas primárias podem mudar nos próximos dois meses.
O atual ministro da Economia, Sergio Massa, candidato da coalizão peronista que governa o país, afirmou que as primárias foram apenas “o primeiro tempo” da disputa, usando uma analogia encontrada nos campos de futebol.
“Temos ainda o segundo tempo, a prorrogação e os pênaltis. Vamos lutar até o último minuto”, afirmou Massa após a votação. O resultado das primárias foi o pior da história dos peronistas, grupo com décadas de influência na política local.
Apenas 69,5% dos eleitores saíram de casa para votar nas primárias, e especialistas apontam que esse número pode aumentar em outubro. De acordo com uma nota do banco J.P. Morgan, há em média um aumento de 4 pontos percentuais no número de eleitores entre as primárias e as eleições gerais.
Isso sugere “uma maior vantagem para os partidos tradicionais nas eleições gerais, se comparados a Milei, que vemos mais próximo do seu teto nas intenções de voto”.
“Milei presidente!”
Mesmo os desafios à frente não foram capazes de diminuir a animação na campanha de Milei, satisfeita por ter ultrapassado por muito as previsões das pesquisas eleitorais para as primárias. De acordo com as sondagens mais recentes, ele receberia por volta de 20% dos votos.
“Se sente, se sente, Milei presidente!”, gritavam seus apoiadores depois que os resultados foram anunciados.
A coligação conservadora Juntos para a Mudança prometeu se unir em torno da candidata Patricia Bullrich, uma ex-ministra da Segurança, embora ela mesma tenha dito que os resultados mostram que os eleitores querem algo novo.
“Esta é uma sociedade que pede uma mudança profunda, desde a raiz”, afirmou a candidata, que promete mais segurança, controle de impostos, previsibilidade e o fim da burocracia governamental.
Julio Cobos, parlamentar que faz parte da coalizão, concordou que os resultados mostram que o povo quer mudanças profundas no país, mas ressaltou que a corrida está totalmente aberta.
“O desafio é a eleição geral, que é em outubro”, afirmou. “Esperamos crescer e vencer. É importante que os dirigentes permaneçam juntos, que unifiquemos propostas, discursos e que os eleitores vejam que aqui há um bom time.”
O que se sabe é que a eleição, antes considerada uma disputa entre duas forças hegemônicas -- com Milei sendo uma alternativa radical que provavelmente ficaria em terceiro lugar --, agora tem três concorrentes em posições semelhantes, com apenas duas vagas possíveis em um eventual segundo turno.
“A corrida eleitoral agora está dividida em três. Antes não estava”, afirmou Alejandro Corbacho, diretor de Ciência Política da universidade Ucema. “Está claro que há muita bile. O povo está muito revoltado com a classe política.”
Jared Lou, gerente de portfólio na William Blair Investment Management, disse que Milei conseguiu o status de líder da corrida eleitoral, mas que ainda há muitas incertezas sobre os resultados. “Um fator que pode ajudar Milei na eleição presidencial é ele ser um ‘outsider’, já que os eleitores estão muito frustrados”, afirmou.
Ele alertou que as ideias de Milei para a posse de armas, as políticas antiaborto e a dolarização da economia -- propostas minoritárias entre os argentinos -- podem assustar alguns eleitores. A paridade do dólar com o peso nos anos 1990 trouxe benefícios de curto prazo, mas uma turbulenta desvalorização no longo prazo.
“Muitas das ideias que ele defende são vistas como muito radicais pelo eleitorado”, completou Lou.
(Reportagem de Adam Jourdan, Anna-Catherine Brigida, Eliana Raszewski, Jorgelina do Rosario e Lucila Sigal)